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domingo, 1 de julho de 2012

Heroes de la Fe : John Wycliffe La Estrella de la Mañana.

John Huss / O Mártir ( O Filme - dublado )

Martinho Lutero - O Filme ( Dublado) - COMPLETO

John WESLEY UM CORAÇÃO TRANSFORMADO PODE MUDAR O MUNDO

Filme - O FORA DA LEI DE DEUS - William Tyndale




A vida de John Wesley

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John Wesley nasceu o 17 de junho de 1703, em Epworth, Inglaterra, o décimo quinto de dezenove filhos de Charles e Suzanna Wesley. O pai de Wesley era predicador, e a mãe de Wesley era uma manhã notável em quando a sabedoria e inteligência. Era uma mulher de profunda piedade e criou a seus pequenos em estreito contato com as histórias da Bíblia, contando-as já em volta do fogo da habitação das crianças. Também costumava vestir os meninos com suas melhores roupas os dias em que tinham o privilégio de aprender seu alfabeto como introdução à leitura das Sagradas Escrituras.

O jovem Wesley era guapo e varonil, e adorava os jogos e em particular a dança. Em Oxford foi um líder, e durante a última parte de sua estância ali foi um dos fundadores do "Santo Clube", uma organização de estudantes sérios. Sua natureza religiosa se aprofundou com o estudo e a experiência, mas não foi até anos depois de deixar a universidade e entrar sob a influência dos escritos de Lutero que sentiu ter entrado nas plenas riquezas do Evangelho.

Ele e seu irmão Charles foram enviados a Geórgia pela Sociedade para a Propagação do Evangelho, e ali os dois desenvolveram suas capacidades como predicadores.

Durante sua navegação se encontraram em companhia de vários Irmãos Morávios, membros da associação recentemente renovada pela atividade do conde Zinzendorf. John Wesley observou em seu diário que numa grande tempestade, quando todos os ingleses a bordo perderam inteiramente a compostura, estes alemães o impressionaram com sua calma e total resignação a Deus. Também observou a humildade deles sob tratamentos insultantes.

Foi ao voltar à Inglaterra que entrou naquelas mais profundas experiências e que desenvolveu maravilhosos poderes como predicador popular, que o fizeram um líder nacional. Naquele tempo se associou também com George Whitefield, de fama imperecível por sua maravilhosa eloqüência.

O que executou beira o incrível. Ao entrar em seu ano 85, deu as graças a Deus por ser quase tão vigoroso como sempre. o subscrevia à vontade de Deus, ao fato de que sempre tinha dormido profundamente, a que durante sessenta anos se levantara às 4 da manhã, e que por cinqüenta anos predicou cada manhã às 5. apenas em sua vida sentiu alguma dor, aversão ou ansiedade. Predicava duas vezes ao dia, e amiúde três e quatro vezes. Estimações realizadas calcularam que cada ano viajou mais de sete mil quilômetros, a maioria a cavalo.

Os êxitos logrados pela predicação metodista tiveram de ser alcançados através de uma longa série de anos, e entre as mais azedas perseguições. Em quase todas as partes da Inglaterra se viu enfrentado no princípio com a plebe que o apedrejava, e com tentativas de feri-lo ou matá-lo. Somente em ocasiões houve intervenções da autoridade civil. Os dois Wesley enfrentaram todos estes perigos com um assombroso valor, e com uma serenidade igualmente assombrosa. O mais irritante era o amontoamento de calunias e injúrias de parte dos escritores daquela época. Estes livros estão totalmente esquecidos.

Wesley tinha sido, em sua juventude, um eclesiástico da igreja alta, e sempre esteve profundamente aderido à Comunhão Estabelecida. Quando viu necessário ordenar predicadores, se fez inevitável a separação de seus seguidores da igreja oficial. Logo receberam o nome de "metodistas" devido à peculiar capacidade organizativa de seu líder e aos engenhosos métodos que aplicava.

A comunhão wesleyana, que depois de sua morte cresceu até constituir a grande Igreja Metodista, se caracterizava por uma perfeição organizativa quase militar.

Toda a direção de sua denominação sempre em crescimento descansava sobre o Pai Wesley. A conferencia anual, estabelecida em 1744, adquiriu um poder de governo somente com a morte de Wesley. Charles Wesley fez um serviço incalculável para a sociedade com seus hinos. Introduziram uma nova era na hinologia da Igreja de Inglaterra. John Wesley dividiu seus dias entre seu trabalho de dirigir a igreja, seu estudo (porque era um leitor incansável), viajar e predicar.

Wesley era incansável em seus esforços por disseminar conhecimentos úteis através de sua denominação. Planificou a cultura intelectual de seus predicadores itinerantes e mestres locais, e para escolas de instrução para os futuros mestres da Igreja. Ele mesmo preparou livros para seu uso popular acerca da história universal, história da Igreja, e História natural. Nisto Wesley foi um apóstolo da união da cultura intelectual com a vida cristã. Publicou também os mais amadurecidos de seus sermões e várias obras teológicas. Tudo isto, tanto por sua profundidade e penetração mental, como por sua pureza e precisão de estilo, excitam nossa admiração.

John Wesley era pessoa de estatura ordinária, mas de nobre presença. Seus rasgos eram mais garbosos, incluso em sua velhice. Tinha uma testa larga, nariz aquilino, olhos claros e uma complexão viçosa. Suas maneiras eram corteses, e quando estava em companhia de pessoas cristãs se mostrava relaxado. Os rasgos mais destacados de seu caráter eram seu amor persistente e laborioso pelas almas dos homens, e firmeza, e a tranqüilidade de espírito. Inclusive em controvérsias doutrinárias exibia a maior calma. Era amável e muito generoso. Já se mencionou sua grande laboriosidade. Se calcula que nos últimos cinqüenta e dois anos de sua vida predicou mais de quarenta mil sermões.

Wesley trouxe a pecadores ao arrependimento em três reinos e dois hemisférios. Foi bispo de uma diocese sem comparação com nenhuma na Igreja Oriental ou Ocidental. Que há no âmbito dos esforços cristãos —missões estrangeiras, missões interiores, tratados e literatura cristã, predicação de campo, predicação itinerante, estudos bíblicos ou o que for que não tenha sido tentado por John Wesley, que não fosse abrangido por sua poderosa mente mediante a ajuda de seu Divino Condutor?

A ele foi concedido avivar a Igreja da Inglaterra quando tinha perdido de vista a Cristo o Redentor, levando-a a uma renovada vida cristã. Ao predicar a justificação e renovação da alma por médio da fé em Cristo, levantou a muitos das classes mais humildes da nação inglesa desde sua enorme ignorância e maus costumes, transformando-os em cristãos fervorosos que fiéis. Seus incansáveis esforços se fizeram sentir não somente na Inglaterra, senão também na América e na Europa continental. Na só se devem ao Metodismo quase todo o zelo existente na Inglaterra pela verdade e vida cristã, senão que a atividade agitada em outras partes da Europa Protestante podemos remontá-la, indiretamente pelo menos, a Wesley.

Morreu em 1791, depois de uma longa vida de incessantes lavores e de desprendido serviço. Seu fervente espírito e cordial irmandade continuam sobrevivendo no corpo que mantém afetuosamente seu nome.

A vida de João Calvino

 

Este reformador nasceu em Noyon, na Picardia, o 10 de julho de 1509. Foi instruído em gramática, aprendendo em Paris com Maturino Corderius, e estudou filosofia no College de Montaign com um professor espanhol.

Seu pai, que descobriu muitos sinais de sua precoce piedade, particularmente nas repreensões que fazia dos vícios de seus companheiros, o designou primeiro para a Igreja, e o apresentou o 21 de maio de 1521 à capela de Notre Dame de Gesine, na Igreja de Noyon. Em 1527 lhe foi assinado o reitorado de Marseville, que trocou em 1529 pelo de Pont l'Eveque, perto de Noyon. Seu pai mudou depois de pensamento, e quis que estudasse leis, ao qual Calvino consentiu bem disposto, porquanto, por sua leitura das Escrituras, tinha adquirido uma repugnância pelas superstições do papado, e se demitiu da capela de Gesine e do reitorado de Pont l'Eveque em 1534. fez grandes progressos nesta rama do conhecimento, e melhorou não menos em seu conhecimento da teologia com seus estudos privados. Em Bourges se aplicou ao estudo do grego, sob a direção do professor Wolmar.

Reclamado de volta para Noyon pela morte de seu pai, permaneceu ali por um breve tempo, e depois passou a Paris, onde ainda tendo causado grande desagrado na Sorbona e no Parlamento um discurso de Nicolas Cop, reitor da Universidade de Paris, para o qual Calvino preparou os materiais, se suscitou uma perseguição contra os protestantes e Calvino, que apenas pôde escapar de ser arrestado no College de Forteret, se viu obrigado a fugir a Xaintogne, depois de ter tido a honra de ser apresentado à rainha de Navarra, quem suscitara esta primeira tormenta contra os protestantes.

Calvino voltou a Paris em 1534. Neste ano os reformados sofreram maus-tratos, o que o decidiu a abandonar França, depois de publicar um tratado contra os que acreditavam que as almas dos defuntos estão num estado de sonho. Se retirou à Basiléia, onde estudou hebraico; neste tempo publicou sua Instituição da Religião Cristã, obra que serviu para espalhar sua fama, embora ele mesmo desejasse viver na escuridão. Está dedicada ao rei da França, Francisco I. A continuação, Calvino escreveu uma apologia pelos protestantes que estavam sendo queimados por sua religião na França. Depois da publicação desta obra, Calvino foi à Itália a visitar a duquesa de Ferrara, uma dama de grande piedade, pela que foi muito gentilmente recebido.

Da Itália se dirigiu à França, e tendo arranjado seus assuntos privados, se propus dirigir-se a Estrasburgo ou à Basiléia, acompanhado por seu único irmão sobrevivente, Antônio Calvino; porém como os caminhos não eram seguros devido à guerra, exceto através dos territórios do duque de Sabóia, escolheu aquela estrada. "Este foi um direcionamento particular da providência", diz Bayle: "Era seu destino que se instalasse em Genebra, e quando se mostrou disposto a ir além, viu-se detido como por uma ordem do céu, por assim dizê-lo".

Em Genebra, Calvino se viu por isso obrigado a aceder à eleição que o consistório e os magistrados fizeram recair sobre sua pessoa, com o consentimento do povo, para que fosse um dos ministros e professor de teologia. Queria somente assumir este último ofício, e não o primeiro, mas no final se viu forçado a tomar ambos, em agosto de 1536. No ano seguinte, fez declaram a todo o povo, sob juramento, o assentimento deles a uma confissão de fé que continha uma renuncia ao papismo. Depois indicou que não poderia submeter-se a uma normativa que tinham estabelecido recentemente no cantão de Berna; portanto, os síndicos da Genebra convocaram uma assembléia do povo, e se ordenou que Calvino, Farel e outro ministro abandoassem a cidade em poucos dias, por recusar administrar os sacramentos.

Calvino se retirou a Estrasburgo, e estabeleceu ali uma igreja francesa, da qual foi seu primeiro ministro; também foi designado para ser professor de teologia. Enquanto isso, o povo da Genebra lhe rogou tão intensamente que voltasse com eles, que consentiu, e chegou o 13 de setembro de 1541, com grande satisfação tanto do povo como dos magistrados. O primeiro que fez, após sua chegada, foi estabelecer uma forma de disciplina eclesiástica e uma jurisdição administrativa com o poder de infligir censuras e castigos canônicos, até incluir a excomunhão.

Tem sido o regozijo tanto dos incrédulos como de alguns professos cristãos, quando querem lançar lodo sobre as opiniões de Calvino, referir-se a seu papel na morte de Miguel Servet. Esta tem sido a atitude que sempre adotam os que foram incapazes de refutar suas opiniões, como se fosse um argumento concluinte contra todo seu sistema. "Calvino queimou a Servet! Calvino queimou a Servet!", é uma boa prova, para certa classe de arrazoadores, de que a doutrina da Trindade não é verdadeira, que a soberania divina é anti-escriturária, e que o cristianismo é uma falsidade.

Não temos desejo algum de paliar nenhuma ação de Calvino que seja manifestamente errônea. Cremos que não se podem defender todas suas ações em relação com o desgraçado assunto de Servet. Porém deveríamos compreender que os verdadeiros princípios da tolerância religiosa eram muito pouco compreendidos em tempos de Calvino. Todos os outros reformadores que então viviam aprovaram a conduta de Calvino. Inclusive o gentil e amigável Melanchton se expressou em relação a este tema da forma seguinte: diz ele, numa carta dirigida a Bullinger: "Tenho lido tua declaração acerca da blasfêmia de Servet, e elogio tua piedade e Jz; e estou convencido de que o Conselho de Genebra tem agido retamente ao dar morte a este homem obstinado, que nunca teria parado em suas blasfêmias. Estou atônito de que se encontre ninguém que desaprove tal ação". Farel diz de maneira expressa que "Servet merecia a pena capital". Bucero não duvida em declarar que "Servet merecia algo pior que a morte".

A verdade é que embora Calvino teve certa parte no arresto e encarceramento de Servet, não desejava em absoluto que fosse queimado. "Quero", disse ele, "que se diminua a severidade do castigo". "Tentamos mitigar a severidade do castigo, porém em vão". "Ao querer mitigar a severidade do castigo", diz Farel a Calvino, "fazer o ofício de amigo para com teu mais acérrimo inimigo". Diz Turritine: "Os historiadores não afirmam em lugar algum, nem se desprende de nenhuma consideração, o fato de que Calvino instigasse os magistrados a queimarem Servet. Não, senão que o certo é também que ele, junto com o colégio de pastores, atacou esta classe de castigo".

Freqüentemente se disse que Calvino tinha tal influência sobre os magistrados de Genebra que teria podido lograr a liberação de Servet, se não tivesse desejado sua destruição. Porém isto é falso. Bem longe disso, Calvino mesmo foi uma vez desterrado da Genebra por estes mesmos magistrados, e amiúde se opus em vão a suas arbitrárias medidas. Tão pouco desejoso estava Calvino e querer a morte de Servet que o advertiu do perigo, e o deixou estar várias semanas em Genebra, antes de ser arrestado. Mas sua linguagem, que era então considerada blasfema, foi a causa de seu encarceramento. Enquanto estava no cárcere, Calvino o visitou e empregou todos os argumentos possíveis para que se desdissesse de suas horríveis blasfêmias, sem referência alguma a suas peculiares crenças. Esta foi toda a participação de Calvino neste infeliz acontecimento.

Contudo, não se pode negar que neste caso Calvino agiu de forma contrária ao espírito benigno do Evangelho. É melhor derramar uma lágrima pela inconsistência da natureza humana, e lamentar estas fraquezas que não se podem justificar. Ele declarou que tinha atuado em consciência, e em público justificou a ação.

A opinião era que os princípios religiosos errôneos são puníveis pelo magistrado civil, e isto causou tantos males, fora da Genebra, na Transilvânia ou na Grã Bretanha; e isto deve imputar-se, e não ao Trinitarianismo, ou ao Unitarismo.

Depois da morte de Lutero, Calvino exerceu uma grande influência sobre os homens daquele notável período. Irradiou grande influência sobre a França, a Itália, a Alemanha, Holanda, Inglaterra e Escócia. Foram organizadas dois mil cinqüenta congregações reformadas que recebiam suas predicações de parte dele.

Calvino, triunfante sobre seus inimigos, sentiu que a morte se aproximava. Porém seguir esforçando-se de todas as formas possíveis com energia juvenil. Quando se viu a ponto de ir ao repouso, redigiu seu testamento, dizendo:" Dou testemunho de que vivo e me proponho morrer nesta fé que Deus me deu por meio de Seu Evangelho, e que não dependo de nada mais para a salvação que a livre eleição que Ele tem feito de mim. de todo coração abraço Sua misericórdia, por meio da qual todos meus pecados foram encobertos, por causa de Cristo, e por causa de Sua morte e padecimentos. Segundo a medida da graça que me foi dada, tenho ensinado esta Palavra pura e simples mediante sermões, ações e exposições desta Escritura. em todas minhas batalhas com os inimigos da verdade não utilizei sofismas, senão que lutei o bom combate de maneira frontal e direta".

O 27 de maio de 1564 foi o dia de sua liberação e de sua bendita viagem ao lar. Tinha então cinqüenta e cinco anos.

Que um homem que tinha adquirido tal reputação e autoridade tivesse somente um salário de cem coras e que recusasse aceitar mais, e que depois de viver cinqüenta e cinco anos com a maior frugalidade deixasse somente trezentas coroas a seus herdeiros, incluindo o valor de sua biblioteca, que se vendeu a grande preço, é algo tão heróico que alguém deve ter perdido todos os sentimentos para não sentir admiração. Quando Calvino abandonou Estrasburgo para voltar a Genebra, eles quiseram dá-lhe privilégios de cidadão livre de sua cidade e o salário de um prebendado [1], que tinha-lhe sido assinado; ele aceitou o primeiro, porém recusou rotundamente o segundo. Levou a um de seus irmãos a Genebra consigo, mas jamais se esforçou para que se desse a ele qualquer posto honorifico, como qualquer que possuísse sua posição teria feito. Desde logo, cuidou da honra da família de seu irmão, conseguindo a liberdade de uma mulher adúltera, e conseguindo licencia para que pudesse voltar a casar-se; mas inclusive seus inimigos contam que lhe fez aprender o ofício de encadernador de livros, no qual seu irmão trabalhou toda sua vida.



Calvino como amigo da liberdade civil

O reverendo doutor Wisner disse, em seu recente discurso em Plymuth, no aniversário da chegada dos Padres Peregrinos: "Por muito que o nome de Calvino tenha sido escarnecido e carregado de vitupério por muitos dos filhos da liberdade, não há proposição histórica mais susceptível e uma demonstração plena que esta: que não viveu ninguém a quem o mundo deva mais pela liberdade de que goza, que João Calvino".




[1] Benefício eclesiástico superior das igrejas, catedrais e colegiatas (N. da T., Enciclopédia Encarta de Microsoft).

mártir de Deus William Tyndale

"if god spare my life, 
ere many years I will cause a boy who drives 
the plough to know more of the scriptures than you do."
     

Devemos agora passar à história do bom mártir de Deus William Tyndale, que foi um instrumento espécie designado pelo Senhor, e como vara de Deus para sacudir as raízes interiores e os fundamentos dos soberbos prelados papais, de maneira que o grande príncipe das trevas, com seus ímpios esbirros, tendo uma especial inquina contra ele, não deixou nada sem remover para poder capturá-lo a traição e com falsidade, e derramar sua vida maliciosamente, como se verá pela história que aqui damos do sucedido.

William Tyndale, um fiel ministro de Cristo, nasceu perto da fronteira com Cales, e foi criado desde menino na universidade de Oxford, onde, por sua longa estância, cresceu tanto no conhecimento das línguas e de outras artes liberais, como especialmente no conhecimento das Escrituras, as que sua mente estava especialmente adicta; e isto a ponto tal que ele, encontrando-se então no Magdalen Hall, lia em privado a certos estudantes e membros Deus Magdalen College algumas partes de sua teologia, instruindo-os no conhecimento e na verdade das Escrituras. Correspondendo-se sua forma de viver e conversação com as mesmas até ponto tal, que todos os que o conheciam o consideravam como um homem das mais virtuosas inclinações e de uma vida irrepreensível.

Assim que foi crescendo mais e mais em seu conhecimento na Universidade de Oxford, e acumulando graus acadêmicos, vendo sua oportunidade, passou dali à Universidade de Cambridge, onde também permaneceu um certo tempo. Tendo agora amadurecido adicionalmente no conhecimento da Palavra de Deus, deixando aquela universidade foi a um tal Mestre Welch, um cavalheiro de Gloucestershire, e ali trabalhou como tutor de seus filhos, estando no favor de seu senhor. Como este cavalheiro mantinha em sua mesa um bom cardápio para o público, ali acudia, muitas vezes abades, prelados, eclesiásticos, com outros doutores e homens de rendas; eles, sentados à mesma mesa que o Mestre Tyndale, costumavam muitas vezes conversar e falar acerca de homens eruditos, como Lutero e Erasmo, e também de diversas controvérsias e questões acerca das Escrituras.

Então o Mestre Tyndale, que era erudito e bom conhecedor dos assuntos de Deus, não poupava esforços por mostrá-lhes de forma simples e lisa seu juízo, e quando eles em algum ponto não concordavam com Tyndale, ele demonstrava claramente no Livro, e expunha de maneira direita diante deles as passagens abertas e manifestas das Escrituras, para confrontar os erros de seus ouvintes e estabelecer o que dizia. Assim continuaram durante um certo tempo, arrazoando e discutindo juntos em várias ocasiões, até que no final cansaram, e começaram a sentir um segredo ressentimento contra ele em seus corações.

Ao ir isto crescendo, os sacerdotes da região, unindo-se, começaram a murmurar e a semear sentimentos em contra de Tyndale, caluniando-o nas tabernas e outros lugares, dizendo que suas palavras eram heresia, e o acusaram secretamente ante o chanceler e ante outros oficiais do bispo.

Aconteceu não muito depois que se concertou uma sessão do chanceler do bispo, e se deu aviso aos sacerdotes para que comparecessem; entre eles foi também chamado o Mestre Tyndale. E não há certeza de se ele tinha temores devido as ameaças deles, ou se alguém o havia avisado de que iriam fazê-lo objeto de suas acusações, mas o certo é que (como ele mesmo declarou) duvidava do resultado de suas acusações; pelo que durante o caminho clamou intensamente a Deus em sua mente, para que lhe desse forças para manter-se firme na verdade de Sua Palavra.

Quando chegou o momento para comparecer diante do chanceler, este o ameaçou gravemente, xingando-o e tratando-o como se fosse um cão, acusando-o de muitas coisas para as que não se podia encontrar testemunha alguma, apesar de que os sacerdotes da região estavam presentes. Assim, o Mestre Tyndale, escapando de suas mãos, partiu para casa, e voltou a seu patrão.

Não longe dali vivia um certo doutor que tinha sido chanceler de um bispo, e que fazia tempo era conhecido familiar do Mestre Tyndale e o favorecia; o Mestre Tyndale foi então visitá-lo, e lhe abriu seu coração acerca de diversas questões da Escritura; porque com ele se atrevia a falar abertamente. E o doutor lhe disse: "Não sabeis que o Pai é o próprio Anticristo de quem fala a Escritura? mas tende cuidado com o que dizeis; porque se chegasse a saber-se que mantendes esta postura, custar-vos-á a vida".

Não muito tempo depois disto aconteceu que o Mestre Tyndale estava em companhia de um certo teólogo, considerado como erudito, e ao conversar e discutir com ele, o induziu nesta questão, até que o dito grande doutor prorrompeu nestas palavras blasfemas: "Melhor estaríamos sem as leis de Deus que sem as do Papa". O Mestre Tyndale, ao ouvir isto, cheio de zelo piedoso e não suportando estas palavras blasfemas, replicou: "Eu desafio o Papa e todas suas leis". E agregou que se Deus lhe conceder vida, antes de muitos anos faria que uma criança que trabalhasse detrás do arado conhecesse mais das Escrituras que ele.

O ressentimento dos sacerdotes foi crescendo mais e mais contra Tyndale, não diminuindo nunca em seus latidos e acosso, acusando-o azedamente de muitas coisas, dizendo que era um herege. Ao ver-se tão incomodado e fustigado, viu-se obrigado a deixar o país, e buscar outro lugar; e acudindo ao Mestre Welch, pediu-lhe que lhe permitisse ir embora de boa vontade, dizendo-lhe estas palavras: "Senhor, percebo que não se me permitirá ficar muito nesta região, e tampouco podereis vós, ainda que quiserdes, proteger-me das mãos dos clérigos, cujo desagrado poderia estender-se a vós se continuardes albergando-me. Isto o sabe Deus; e isto o sentiria eu profundamente".

De modo que o Mestre Tyndale partiu, com o beneplácito de seu patrão, e se dirigiu imediatamente a Londres, onde predicou por algum tempo, como tinha feito no campo.

Lembrando-se de Cutberto Tonstal, então bispo de Londres, e especialmente dos grandes elogios que Erasmo fazia da erudição dele em suas notas, Tyndale pensou para si que se pudesse colocar-se a seu serviço, seria feliz. Acudindo a Sir Henrique Guilford, controlador do rei, e levando consigo uma oração de Isócrates [1], que tinha traduzido do grego para o inglês, lhe pediu que falasse por ele ao mencionado bispo, o que este assim fez; também lhe pediu que escrevesse uma carta ao bispo e que fosse com ele a vê-lo. Assim fizeram, e entregaram a carta a um servo do bispo, chamado William Hebilthwait, um velho conhecido. Mas Deus, que dispõe secretamente o curso das coisas, viu que não era o melhor para o propósito de Tyndale, nem para proveito de Sua Igreja, e portanto lhe dei que achasse pouco favor aos olhos do bispo, o qual respondeu assim: Que a sua casa estava lotada, que tinha mais do que podia usar, e que lhe aconselhava buscar por outras partes de Londres onde, disse, não careceria de ocupação.

Rejeitado pelo bispo, acudiu a Humphrey Mummuth, magistrado de Londres, e lhe pediu ajuda; este lhe deu hospitalidade em sua casa, onde viveu Tyndale (como disse Mummuth) como um bom sacerdote, estudando dia e noite. Só comia carne assada por seu beneplácito, e tão somente bebia uma pequena cerveja. Nunca foi visto vestido de linho na casa em todo o tempo em que morou nela.

E assim permaneceu Mestre Tyndale em Londres quase por um ano, observando o curso do mundo, e especialmente a conduta dos predicadores, como se vangloriavam e estabeleciam sua autoridade; contemplando também a pompa dos prelados, com outras mais coisas, o que desgostava-lhe muitos; até o ponto de que viu que não só não havia espaço na casa do bispo para que ele pudesse traduzir o Novo Testamento, senão também que não havia lugar onde fazê-lo em toda a Inglaterra.

Portanto, e tendo recebido pela providência de Deus alguma ajuda de parte de Humphrey Mummuth e de certos bons homens, saiu do reino, dirigindo-se à Alemanha, onde o bom homem, inflamado por solicitude e zelo por seu país, não recusou trabalhos nem diligencia alguma para levar a seus irmãos e compatriotas ingleses ao mesmo gosto e compreensão da Santa Palavra e verdade de Deus que o Senhor tinha-lhe concedido a ele. Assim, meditando e também conferenciando com John Frith, Tyndale pensou que a melhor forma de alcançar este fim seria que se a Escritura podia ser trasladada à fala do vulgo, e então a gente pobre poderia ler e ver a lisa e simples Palavra de Deus. percebeu que não seria possível estabelecer aos laicos em nenhuma verdade exceto se as Escrituras eras expostas de forma tão direta ante seus olhos em sua língua materna que pudessem captar o sentido do texto; por caso contrário, qualquer verdade que lhe for ensinada seria apagada pelos inimigos da verdade, bem com sofismas ou tradições inventadas, carentes de toda base na Escritura, bem manipulando o texto, expondo-o num sentido absurdo, alheio ao texto, velando o verdadeiro sentido do mesmo.

O Mestre Tyndale considerava que esta era a única causa, ou pelo menos a principal, de todos os males da Igreja: que as Escrituras estavam escondidas dos olhos das pessoas; porque por isso não se podia advertir o abominável das ações e idolatrias praticadas por o farisaico clero; portanto estes dedicavam todos seus esforços e poder para suprimir este conhecimento, de modo que ou bem não fossem lida em absoluto, ou, se lidas, seu reto sentido pudesse ficar escurecido por meio de seus sofismas, e assim pôr laço aos que repreendiam ou menosprezavam suas abominações; torcendo as Escrituras com seus próprios propósitos, em contra do sentido do texto, enganavam assim os laicos sem conhecimentos de maneira que, embora alguém sentisse em seu coração e estiver seguro que tudo quanto diziam era falso, contudo não pudesse responder a seus subtis argumentos.

Por estas e outras semelhantes considerações, este bom homem foi levado por Deus a traduzir as Escrituras a sua língua materna, para o proveito da gente simples de seu país; primeiro fez o Novo Testamento, que foi impresso em 1525. Cutberto Tonstal, bispo de Londres, junto com Sir Tomás More, muito ofendidos, tramaram como destruir esta tradução "falsa e errônea", como eles a chamavam.

Aconteceu que um tal Agostinho Packington, que era vendedor de sedas, estava então em Amberes, onde se encontrava o bispo. Este homem favorecia a Tyndale, porém simulou o contrário ante o bispo, desejoso de executar seu propósito, e disse que de boa vontade compraria os Novos Testamentos. Ao ouvir isto, Packington disse: "Senhor! Eu posso fazer mais nisto que a maioria dos mercadores que há aqui, se voz compraz; pois conheço os holandeses e estrangeiros que os compraram de Tyndale; se aprouver a vossa senhoria, terei a bem desembolsar o dinheiro para pagá-los, e isto assegurará ter todos os livros impressos e não vendidos". O bispo, que pensava ter pegado a Deus, disse: "De pressa, bom mestre Packington; consegue-os para mim, e te pagarei o que custem; porque é minha intenção queimá-los e destruí-los em Paul's Cross". Este Agostinho Packington foi a William Tyndale e explicou-lhe o sucedido e assim, pelo arranjo realizado entre eles, o bispo de Londres obteve os livros, Packington seu agradecimento, e Tyndale o dinheiro.

Depois disto, Tyndale corrigiu de novo aquele mesmo Novo Testamento, e voltou imprimi-lo, com o qual chegaram a ser muito mais numerosos na Inglaterra. Quando o bispo se apercebeu disso, mandou buscar a Packington, e lhe disse: "O que aconteceu que há tantos Novos Testamentos espalhados? Me prometeste que ias comprá-los a todos". Então Packington repus: "Sim, eu comprei todos os que havia, porém vejo que desde então imprimiram mais. Vejo que isto nunca vai melhorar em tanto tenham letras e imprensas; portanto, o melhor será comprar as imprensas, e assim ficareis seguro". O bispo sorriu ante esta resposta, e assim ficou a coisa.

Pouco tempo depois aconteceu que Jorge Constantino foi apreendido como suspeito de certas heresias por Sir Tomás More, que era então chanceler da Inglaterra. E More lhe perguntou: "Constantino! Gostaria fosses claro numa coisa que te perguntarei; e te prometo que te mostrarei favor em todas as outras coisas de que te acusam. Além do mar estão Tyndale, Joye, e muitos de vós outros. Sei que não podem viver sem ajuda. Há os que os socorrem com dinheiro, e tu, estando com eles, tiveste tua parte, e, portanto, sabes de onde provém. Rogo-te me digas: de onde vem tudo isto?" "Meu senhor", respondeu Constantino, "direi-vos a verdade; é o bispo de Londres quem nos tem ajudado, porquanto nos deu muito dinheiro por Novos Testamentos para queimá-los; e isto é o que foi, e continua sendo, nosso único auxílio e provisão". "A fé", disse More, "que eu penso como vós; porque disto adverti o bispo antes que empreendesse esta ação".

Depois disto, Tyndale começou a tradução do Antigo Testamento, acabando os cinco livros de Moisés, com vários dos mais eruditos e piedosos prólogos mais dignos de leitura uma e outra vez por parte de todos os bons cristãos. Enviados estes livros por toda a Inglaterra, não se pode dizer quão grande foi a luz que se abriu aos olhos de toda a nação inglesa, que antes estavam fechados nas trevas.

A primeira vez que se foi do reino, se dirigiu à Alemanha, onde conferenciou com Lutero e outros eruditos; depois de ter passado lá um certo tempo, se dirigiu aos Países Baixos, e viveu principalmente na cidade de Amberes.

Os piedosos livros de Tyndale, e especialmente o Novo Testamento que traduziu, após começar a chegar a mãos do povo e a espalhar-se, deram um grande e singular proveito aos piedosos; porém os ímpios (invejando e desprezando que o povo pudesse ser mais sábio que eles, e temendo que os resplandecentes reflexos da verdade descobrissem suas obras de maldade) começaram a agitar-se com não pouco barulho.

Depois que Tyndale houve traduzido o Deuteronômio, querendo-o imprimir em Hamburgo, zarpou para lá; mas naufragou diante da costa da Holanda, perdendo todos seus livros, escritos, cópias, dinheiro e tempo, e viu-se obrigado a começar tudo de novo, chegou a Hamburgo em outra nave onde, citado, o esperava Coverdale, quem o ajudou na tradução de todos os cinco livros de Moisés, desde a Páscoa até dezembro, na casa de uma piedosa viúva, a senhora Marguerite Van Emmerson, o ano 1529 de nosso Senhor; naquele tempo se deu uma grande epidemia de umas febres sudoríferas naquela cidade. Assim, acabada sua atividade em Hamburgo, voltou para Amberes.

Quando na vontade de Deus foi publicado o Novo Testamento na língua comum, Tyndale, seu tradutor, agregou ao final do mesmo uma epístola, na qual pedia que os eruditos corrigissem sua tradução, se encontrassem algum erro. Portanto, caso ter havido qualquer falta que merecesse ser corrigida, teria sido uma missão de cortesia e bondade que homens conhecedores e com critério mostrassem nisso sua erudição, corrigindo os erros que existissem. Porém o clero, que não queria que o livro prosperasse, clamou contra ele que havia mil heresias entre suas capas, e que não devia ser corrigido senão totalmente suprimido. Alguns diziam que não era possível traduzir as Escrituras ao inglês; outros, que não era legítimo que os laicos as tivessem; alguns que faria hereges de todos eles. E com o fim de induzir os governantes temporais a executarem os desígnios deles, disseram que conduziria o povo a rebelar-se contra o rei.

Tudo isto o narra o próprio Tyndale, em seu prólogo antes do primeiro livro de Moisés, mostrando além disso com quanto cuidado foi examinada sua tradução, e comparando-a com suas próprias imaginações, e supõe que com muito menos trabalho teriam podido traduzir uma grande parte de Bíblia, mostrando além disso que repassaram e examinaram cada til e cada jota de tal modo, e com tal cuidado, que não havia uma só que, se carecer do ponto, não o observassem, e o mostrassem às pessoas ignorantes como prova de heresia.

Tantas e tão descaradas foram as tretas do clero inglês (que deveriam ter sido os condutores à luz para o povo), para impedir o conhecimento das Escrituras às pessoas, que nem queriam traduzir eles mesmos, nem permitir que outros traduzissem; isto com o fim (como diz Tyndale) de que, mantendo ainda o mundo nas trevas, pudessem dominar as consciências das pessoas por meio de vãs superstições e de falsas doutrinas, para satisfazer suas ambições e exaltar sua própria honra por acima do rei e do imperador.

Os bispos e prelados jamais descansaram até lograrem que o rei consentisse em seus desejos; razão pela qual se redigiu uma proclamação a toda pressa, e estabelecida sob a autoridade pública, no sentido de que a tradução do Novo Testamento de Tyndale ficava proibida. Isto teve lugar por volta de 1537. e não contentes com isso, fizeram mais ainda, tratando capturar Tyndale em suas redes para tirá-lhe a vida; agora falta relatar como lograram executar seus planos.

Nos registros de Londres aparece de forma manifesta como os bispos e Sir Tomás More, sabendo o que tinha acontecido em Amberes, decidiram investigar e examinar todas as coisas acerca de Tyndale, onde e com quem se alojava, onde ficava a casa, qual era sua estatura, como vestia, de que refúgios dispunha. E quando chegaram a saber todas estas coisas começaram a tramar seus planos.

Estando William Tyndale na cidade de Amberes, se alojou durante mais ou menos um ano na casa de Tomás Pointz, um inglês que mantinha uma casa de mercadores ingleses. Ali foi um inglês que se chamava Henry Philips, sendo seu pai cliente de Poole, um homem galhardo, como se fosse um cavalheiro, com um servo consigo. Mas ninguém sabia a razão de sua chegada ou o propósito com o qual tinha sido enviado.

Tyndale era freqüentemente convidado a comer e jantar com os mercadores; por este médio este Henry Philips se familiarizou com ele, de modo que após um breve espaço de tempo Tyndale depositou grande confiança nele, e o conduziu a seu alojamento, à casa de Tomás Pointz; também o levou consigo uma ou duas vezes para comer ou jantar, e travou tal amizade com ele que por sua petição ficou na mesma casa do mencionado Pointz, a quem além disso mostrou seus livros e outros segredos de seu estudo. Tão pouco desconfiava Tyndale deste traidor.

Porém Pointz, quem não tinha demasiada confiança naquele sujeito, perguntou a Tyndale como havia chegado a conhecê-lo. Tyndale respondeu que era um homem honrado, bem instruído e muito agradável. Pointz, ao ver que o tinha em tanta estima, não disse mais nada, pensado que tinha sido apresentado por algum amigo. O tal Philips, tendo permanecido na cidade três ou quatro dias, pediu a Pointz que viesse com ele fora da cidade para mostrá-lhe umas mercadorias, e andando juntos fora da cidade, conversaram acerca de diversas coisas, incluindo alguns assuntos do rei. Com estas conversações, Pointz nada suspeitou. Porém depois, tendo transcorrido algum tempo, Pointz percebeu que era o que pensava Philips: saber se ele, por amor ao dinheiro, quereria ajudá-lo em seus propósitos, porque tinha percebido já que Philips era rico, e queria que Pointz o soubesse. Porque já tinha pedido antes a Ponitz que o ajudasse em diversas questões, e o que havia pedido tinha sempre desejado fosse da melhor qualidade, porque, em suas palavras, "tenho o suficiente dinheiro".

Philips foi depois de Amberes para a corte de Bruxelas, que está a uma distância dali como de quarenta quilômetros, desde onde se levou consigo para Amberes o procurador geral, que é o fiscal do rei, com certos outros oficiais.

Após três ou quatro dias, Pointz foi à cidade de Borrois, a uma trinta quilômetros de Amberes, onde lhe esperavam uns negócios que iriam ocupá-lo por espaço de um mês ou seis semanas; e durante sua ausência, Henry Philips voltou a Amberes, à casa de Pointz, e entrando nela falou com a esposa deste, perguntando se estava dentro o senhor Tyndale. Depois saiu, e dispus na rua e perto da porta os oficiais que tinha trazido de Bruxelas. Por volta do meio-dia voltou entrar e se dirigiu a Tyndale, pedindo-lhe quarenta xelins, dizendo-lhe: "Perdi minha bolsa esta manhã, ao fazer a travessia entre aqui e Mechlin". Assim que Tyndale lhe deu os quarenta xelins, o que não lhe custava dar se o tinha, porque era simples e inexperiente nas sutilezas malvadas deste mundo. Em seguida Philips lhe disse: Senhor Tyndale, você será meu convidado hoje". "Não", respondeu Tyndale, "hoje saio a comer, e você me acompanhará, e será meu convidado num lugar onde será bem acolhido".

Assim que, quando foi a hora de comer, o senhor Tyndale saiu com Philips, e ao sair da casa de Pointz havia um longo e estreito corredor, pelo que ambos não podiam ir juntos. O senhor Tyndale teria desejado que Philips passasse diante dele, mas este pretendeu mostrar grande cortesia. Assim que o senhor Tyndale, que não tinha muita estatura, passou 1i, e Philips, homem alto e garboso, seguiu-o detrás; este havia disposto oficiais a cada lado da porta, sentados, que podiam ver os que passavam por ela. Philips indicou com o dedo a cabeça de Tyndale, para que os oficiais vissem quem era o que deviam apreender. Os oficiais disseram depois a Pointz, quando já o tiveram encarcerado, como os havia apenado ver sua simplicidade. O levaram ao fiscal do imperador, onde comeu. Depois o procurador geral foi à casa de Pointz, e tomou tudo o que pertencia ao senhor Tyndale, tanto seus livros como os outros pertences; dali, Tyndale foi enviado ao castelo de Vilvorde, a 30 quilômetros de Amberes.

Estando já o senhor Tyndale no cárcere, lhe ofereceram um advogado e um procurador, o qual recusou, dizendo que ele faria sua própria defesa. Predicou de tal modo aos que estavam encarregados de sua custódia, e aos que estavam familiarizados com ele no castelo, que disseram dele que se não era um bom cristão, então não sabiam quem poderia sê-lo.

No final, após muitos arrazoamentos, quando nenhuma razão podia servir, embora não merecesse a morte, foi condenado em virtude do decreto do imperador, dado na assembléia de Augsburgo . levado ao lugar da execução, foi amarrado à estaca, estrangulado pelo verdugo, e depois consumido pelo fogo, na cidade de Vilvorde, em 1536. na estaca, clamou com um fervoroso zelo e grande protesto: "Senhor, abre os olhos do rei da Inglaterra!".

Tal foi o poder de sua doutrina e a sinceridade de sua vida, que durante o tempo de seu encarceramento (que durou um ano e meio) converteu, segundo se diz, a seu guarda, a filha deste, e outros membros de sua família.

A respeito de sua tradução do Novo Testamento, porquanto seus inimigos clamavam tanto contra ela, pretendendo que estava cheia de heresias, escreveu a John Frith da forma seguinte: "Invoco a Deus como testemunha, para o dia em que deva comparecer ante nosso Senhor Jesus, que nunca alterei nem sequer uma sílaba da Palavra de Deus contra minha consciência, nem o faria hoje, ainda me entregassem tudo quanto nesta terra há, seja honra, prazeres ou riquezas".




[1] Isócrates (436-338 a.C.), orador e professor ateniense cujos escritos sobre politica e educação na Grécia do século IV a.C. possuem uma grande importância e um enorme valor histórico (N. da T., Enciclopédia Encarta de Microsoft).

Perseguições na Alemanha

 

As perseguições gerais na Alemanha foram principalmente causadas pelas doutrinas e o ministério de Martinho Lutero. O certo é que o Papa ficou tão alarmado pelo êxito do corajoso reformador que decidiu utilizar o Imperador Carlos V, a qualquer preço, no plano para tentar sua extirpação.

Para este fim:

1) Deu ao imperador duzentas mil coroas em efetivo.

2) Prometeu manter doze mil infantes e cinco mil tropas de cavalaria, pelo espaço de seis meses, ou durante uma campanha.

3) Permitiu ao imperador receber a metade dos ingressos do clero do imperador durante a guerra.

4) Permitiu ao imperador hipotecar as fincas das abadias por quinhentas mil coroas, para ajudar na empresa das hostilidades contra os protestantes.

Assim incitado e apoiado, o imperador empreendeu a extirpação dos protestantes, contra os que, de todas formas, tinha um ódio pessoal; e para este propósito se levantou um poderoso exército na Alemanha, Espanha e Itália.

Enquanto isso, os príncipes protestantes constituíram uma poderosa confederação, para repelir o iminente ataque. Se levantou um grande exército, e se deu seu mando ao eleitor da Saxônia e ao landgrave [1] de Hesse. As forças imperiais eram comandadas pessoalmente pelo imperador da Alemanha, e os olhos de toda a Europa se dirigiram ao foco da guerra.

Finalmente os exércitos chocaram, e se livrou uma furiosa batalha, na qual os protestantes foram derrotados, e o eleitor da Saxônia e o landgrave de Hesse feitos prisioneiros. Este golpe fatal foi sucedido por uma horrorosa perseguição, cuja dureza foi tal que o exílio podia considerar-se uma sorte suave, e o ocultar-se num tenebroso bosque como uma felicidade. Em tais tempos, uma cova é um palácio, uma rocha um leito de penas, e as raízes, manjares.

Os que foram capturados sofreram as mais cruéis torturas que podiam inventar as imaginações infernais; e por sua constância deram prova de que um verdadeiro cristão pode vencer todas as dificuldades, e apesar de todos os perigos ganhar a coroa do martírio.

Henrique Voes e João Esch, apreendidos como protestantes, foram levados ao interrogatório. Voes, respondendo por si mesmo e pelo outro, deu as seguintes respostas a algumas das perguntas que lhes fez o sacerdote, que os examinou por ordem da magistratura.

Sacerdote: Não éreis vós dois, alguns anos atrás, frades agostinianos?

Voes: Sim.

Sacerdote: Como é que tendes abandonado o seio da Igreja de Roma?

Voes: Por causa de suas abominações.

Sacerdote: Em que credes?

Voes: No Antigo e Novo Testamento.

Sacerdote: Não credes nos escritos dos pais e nos decretos dos Concílios?

Voes: Sim, se concordam com a Escritura.

Sacerdote: Não fostes seduzidos por Lutero?

Voes: Ele nos seduziu da mesma forma em que Cristo seduziu os apóstolos; isto é, não fez conscientes da fragilidade de nossos corpos e do valor de nossas almas.

Este interrogatório foi suficiente. Ambos foram condenados às chamas, e pouco depois padeceram com aquela varonil fortaleza que corresponde aos cristãos quando recebem a coroa do martírio.

Henrique Sutphen, um predicador eloqüente e piedoso, foi tirado de sua cama em meio da noite, e obrigado a caminhar descalço um longo trecho, de modo que seus pés ficaram terrivelmente cortados. Pediu um cavalo, mas os que o conduziam disseram com escárnio: "Um cavalo para um herege! Não, não, os hereges podem andar descalços". Quando chegou no lugar de seu destino, foi condenado a morrer queimado; porém durante a execução se cometeram muitas indignidades contra ele, porque os que estavam junto dele, não contentes com o que sofria com as chamas, o cortaram e rasgaram da forma mais terrível.

Muitos foram assassinados em Halle; Middleburg foi tomado ao assalto, e todos os protestantes foram passados a faca, e muitos foram queimados em Viena.

Enviado um oficial a dar morte a um ministro, pretendeu, ao chegar, que somente queria visitá-lo. o ministro, que não suspeitava suas cruéis intenções, homenageou seu suposto convidado de modo muito cordial. Tão logo como a comida acabou, o oficial disse a uns de seus acompanhantes: "Pegai este clérigo, e enforcai-o". os mesmos acompanhantes ficaram tão atônitos após as cortesias que tinham visto, que vacilaram ante as ordens de seu chefe. O ministro disse: "Pensai no aguilhão que ficará em vossa consciência por violar desta maneira as leis da hospitalidade". Porém o oficial insistiu em ser obedecido, e os companheiros, com repugnância, cumpriram o execrável ofício de verdugos.

Pedro Spengler, um piedoso teólogo, da cidade de Schalet, foi lançado no rio e afogado. Antes de ser conduzido à beira do rio que seria seu túmulo, o expuseram na praça do mercado, para proclamar seus crimes, que eram não ir a missa, não confessar-se, e não crer na transubstanciação. Terminada esta cerimônia, ele fez um discurso excelente ao povo, e terminou com uma espécie de hino de natureza muito edificante.

Um cavalheiro protestante foi sentenciado à decapitação por não renunciar a sua religião, e foi animoso ao lugar de sua execução. Acudiu um frade a seu lado, e lhe disse estas palavras em voz muito baixa: "Já que tendes grande repugnância em abjurar em público de vossa fé, sussurrai vossa confissão em meu ouvido, e eu vos absolverei de vossos pecados". A isto o cavalheiro replicou em voz alta: "Não me incomodes, frade, tenho confessado meus pecados a sem, e tenho obtido a absolvição pelos méritos de Jesus Cristo". Depois, dirigindo-se ao carrasco, disse: "Que não me incomodem estes homens; cumpre teu ofício". E sua cabeça caiu de um só golpe.

Wolfgang Scuch e João Ruglin, dois dignos ministros, foram queimados, como também Leonard Keyser, um estudante da Universidade de Wertembergli; e Jorge Carpenter, bávaro, foi enforcado por recusar detratar-se do protestantismo.

Tendo-se acalmado as perseguições na Alemanha durante muitos anos, voltaram a desencadear-se em 1630, devido à guerra do imperador contra o rei da Suécia, porque este era um príncipe protestante, e portanto os protestantes alemães defenderam sua causa, o que exasperou enormemente o imperador contra eles.

As tropas imperiais puseram sítio à cidade de Passewalk (que estava defendida pelos suecos) e, tomando-a por assalto, cometeram as mais horríveis crueldades. Destruíram as igrejas, queimaram as casas, saquearam os bens, mataram os ministros, passaram a guarnição à espada, enforcaram os cidadãos, estupraram as mulheres, afogaram as crianças, etc., etc.

Em Magdeburgo teve lugar uma tragédia mais que sanguinária, no ano 1631, tendo os generais Tilly e Pappenheim tomado aquela cidade protestante ao assalto, houve uma matança de mais de vinte mil pessoas, sem distinção de nível, sexo ou idade, e seis mil mais foram afogadas em sua tentativa de fugir pelo rio Elba. Depois de apaziguar-se esta fúria, os habitantes restantes foram despidos, açoitados severamente, cortadas suas orelhas e, amarrados em jugos como bois, foram soltos.

A cidade de Roxter foi tomada pelo exército papista, e todos seus habitantes, assim como a guarnição, foram passados à faca; até as casas foram incendiadas, e os corpos consumidos pelas chamas.

Em Griphenberg, quando prevaleceram as tropas imperiais, encerraram os senadores na câmara do senado, e os asfixiaram rodeando-a com palha acesa.

Franhendal se rendeu sob uns artigos de capitulação, mas seus habitantes foram tratados tão cruelmente como em outros lugares; e em Heidelberg muitos foram lançados no cárcere e deixados ali para morrer de fome.

Assim se enumeras as crueldades cometidas pelas tropas imperiais, sob o conde Tilly, na Saxônia:

Estrangulação pela metade, recuperação das pessoas, e volta a começar. Aplicação de afiladas rodas sobre os dedos das mãos e dos pés. Aprisionamento dos polegares em tornos de banco. O forçamento das coisas mais imundas pela garganta, pelas quais muitos eram afogados. O prensado com cordas em volta da cabeça de forma tal que o sangue brotava dos olhos, o nariz, os ouvidos e a boca. Fósforos acesos ardendo nos dedos das mãos e dos pés, nos braços e pernas, e até na língua. Colocar pólvora na boca, a acendê-la, com o qual a cabeça voava em pedaços. Amarrar sacolas de pólvora por todo o corpo, com o que a pessoa era destrocada pela explosão. Amarrar e puxar cordas que atravessavam as carnes. Incisões na pele com instrumentos cortantes. Inserção de arames através do nariz, dos ouvidos, lábios, etc. pendurar os protestantes pelas pernas, com suas cabeças sobre um fogo, com o qual ficavam secados pelo fogo. Pendurá-los de um braço até que ficasse deslocado. Pendurá-los de ganchos através das costelas. Obrigá-los a beber até a pessoa arrebentar. Cozer a muitos em fornos ardentes. Fixação de pesos nos pés, subindo a muitos juntos numa polia. A forca, asfixia, assar, apunhalar, fritar, o potro, o estupro, destripar, o quebrantamento dos ossos, o esfolamento, o esquartejamento entre cavalos indômitos, afogamento, estrangulação, cocção, crucifixão, envenenamento, cortes de línguas, narizes, orelhas, etc., emparedar, serrar os membros, trucidamento a machadadas e arrastar dos pés pelas ruas.

Estas enormes crueldades serão uma ultrajem perpétua sobre a memória do conde Tilly, que não somente cometeu senão que mandou as tropas a pô-las em prática. Ali onde chegava seguiam as mais horrendas barbaridades e cruéis depredações; a fome e o fogo marcavam seus avanços, porque destruía todos os alimentos que não podia levar consigo, e queimava todas as cidades antes de deixá-las, de modo que o resultado pleno de suas conquistas eram o assassinato, a pobreza e a desolação.

A um ancião e piedoso teólogo o desnudaram, o amarraram de boca para acima sobre uma mesa, e amarraram um gato grande e feroz sobre seu ventre. Depois beliscaram e atormentaram o gato de tal modo que em sua fúria abriu o ventre e remordeu as entranhas.

Outro ministro e sua família foram aprisionados por estes monstros desumanos; estupraram a mulher e a filha diante dele, encravaram seu filho recém nascido na ponta de uma lança, e depois, rodeando-o de todos seus livros, acenderam o fogo, e foi consumido em meio das chamas.

Em Hesse-Cassel, algumas das tropas entraram num hospital, onde havia principalmente mulheres loucas, e despindo aquelas pobres desgraçadas, as fizeram correr pela rua a modo de diversão, dando depois morte a todas.

Na Pomerânia, algumas das tropas imperiais que entraram numa cidade pequena tomaram a todas as mulheres jovens, e a todas as moças de mais de dez anos, e colocando seus pais num círculo, lhes ordenaram cantar Salmos enquanto eles estupravam suas meninas, dizendo-lhes que se assim não o faziam, as despedaçariam depois. Depois tomaram a todas as mulheres casadas que tinham crianças pequenas, e as ameaçaram que, se não consentiam a gratificar seus desejos, queimariam seus filhos diante delas num grande fogo, que haviam acendido por isso.

Um bando de soldados do conde Tilly se encontrou com um grupo de mercadores de Basiléia, que voltava do grande mercado de Estrasburgo, e tentaram rodeá-los. Contudo, todos fugiram, exceto dez, deixando seus bens abandonados. Os dez que foram tomados rogaram muito por suas vidas, mas os soldados os assassinaram dizendo: "Deveis morrer, pois sois hereges e não tendes dinheiro".

Os mesmos soldados encontraram duas condessas que, junto com algumas jovens damas, as filhas de uma delas, estavam dando um passeio num landó [2]. Os soldados lhes perdoaram a vida, porém as trataram com a maior indecência, e, deixando-as completamente nuas, mandaram o cocheiro prosseguir a viagem.

Por mediação da Grã Bretanha, se restaurou finalmente a paz na Alemanha, e os protestantes permaneceram sem ser incomodados durante vários anos, até que se deram novas perturbações no Palatinado, que tiveras estas causas:

A grande Igreja do Espírito Santo, em Heidelberg, tinha sido compartida durante muitos anos pelos protestantes e católico-romanos desta maneira: os protestantes celebravam o serviço divino na nave ou corpo da igreja; os católico-romanos celebravam a missa no coro. Embora este tinha sido o costume desde tempos imemoriais, o eleitor do Palatinado, finalmente, decidiu não permiti-lo mais, declarando que como Heidelberg era sua capital, e a Igreja do Espírito Santo a catedral de sua capital, o serviço divino devia ser executado somente segundo os ritos da Igreja da qual ele era membro. Então proibiu aos protestantes entrarem na igreja, e deu aos papistas sua inteira posse.

O povo, ultrajado, apelou aos poderes protestantes para que lês fosse feita justiça, o que exasperou de modo tal o eleitor que suprimiu o catecismo de Heidelberg. Contudo, os poderes protestantes acordaram unânimes exigir satisfações, porquanto o eleitos, com sua conduta, tinha quebrantado um artigo do tratado de Westfalia; também as cortes da Grã Bretanha, Prússia, Holanda, etc., enviaram embaixadores ao eleitor, para expor-lhe a injustiça de seu proceder, e para ameaçá-lo que, caso não mudasse sua conduta para com os protestantes do Palatinado, eles tratariam também seus súbditos católico-romanos com a maior severidade. Tiveram lugar muitas e violentas disputas entre os poderes protestantes e os do eleitor, e estes se viram muito incrementados pelo seguinte incidente: estando a carruagem de um ministro holandês diante da porta do embaixador residente enviado pelo príncipe de Hesse, uma companhia apareceu levando a hóstia à casa de um doente; o cocheiro não prestou a menor atenção, coisa que foi observada pelos portadores da hóstia, e o fizeram descer de seu assento, obrigando-o a pôr joelho no chão. Esta violência contra a pessoa de um criado de um ministro público foi mal vista por todos os representantes protestantes; e para aguçar ainda mais as diferenças, os protestantes apresentaram aos representantes três artigos de queixa:

1) Que se ordenavam execuções militares contra todos os sapateiros protestantes que recusavam contribuir com as missas de são Crispino.

2) Que aos protestantes se proibia trabalhar nos dias santos dos papistas, inclusive na época da colheita, sob penas muito severas, o que ocasionava graves inconvenientes e causava graves prejuízos às atividades públicas.

3) Que vários ministros protestantes tinham sido desapossados de suas igrejas, sob a pretensão de terem sido fundadas e edificadas originalmente por católico-romanos.

Finalmente, os representantes protestantes ficaram tão taxativos como para insinuar ao eleitor que a força das armas ia obrigá-lo a fazer a justiça que tinha negado a sua embaixada. Esta ameaça o voltou à razão, pois bem conhecia a impossibilidade de empreender uma guerra contra os poderosos estados que o ameaçavam. Portanto, acedei a que a nave da Igreja do Espírito Santo fosse devolvida aos protestantes. Restaurou o catecismo de Heidelberg, tornou a dar aos ministros protestantes a possessão das igrejas das que tinham sido desapossados, permitiu aos protestantes trabalhar nos dias santos dos papistas, e ordenou que ninguém fosse incomodado por não ajoelhar-se quando passar a hóstia a seu lado.

Estas coisas as fez por temor, mas para mostrar seu ressentimento contra seus súbditos protestantes, em outras circunstâncias nas que os poderes protestantes não tinham direito de interferir, abandoou totalmente Heidelberg, traspassando todas as cortes de justiça a Mannheim, que estava totalmente habitada por católico-romanos. Do mesmo modo edificou ali um novo palácio, fazendo dele seu lugar de residência; e, seguido pelos católicos de Heidelberg, Mannheim se converteu num local florescente.

Enquanto isso, os protestantes de Heidelberg ficaram sumidos na pobreza, e muitos ficaram tão angustiados que abandonaram seu país nativo, buscando asilo nos estados protestantes. Um grande número destes foram para a Inglaterra, em tempos da Rainha Ana, onde foram cordialmente recebidos, e encontraram a mais humanitária ajuda, tanto de doações públicas como privadas.

Em 1732, mais de trinta mil protestantes foram expulsos do arcebispado de Salzburgo, em violação do tratado de Westfalia. Saíram no mais duro do inverno, com apenas as roupas suficientes para cobri-los, e sem provisões, sem permissão para levar nada com eles. Ao não ser acolhida a causa destes coitados por aqueles estados que teriam podido obter reparações, emigraram a vários países protestantes, e se assentaram em lugares onde puderam gozar do livre exercício de sua religião, sem dano para suas consciências, e vivendo livres das redes da superstição papal, e das correntes da tirania católica.




[1] Título de honra e dignidade de alguns grandes senhores da Alemanha (N. da T.).


[2] Carro de quatro rodas, con capota dianteira e traseira (N. da T.)

perseguições de Martinho Lutero

 

Este ilustre alemão, teólogo e reformador da Igreja, foi filho de João Lutero e de Marguerite Ziegler, e nascer em Eisleben, uma cidade da Saxônia, no condado de Mansfield, o 10 de novembro de 1483. a posição e condição de seu pai eram originalmente humildes, e seu ofício era o de mineiro; mas é provável que por seu esforço e trabalho melhorasse a fortuna de sua família, porquanto posteriormente chegou a ser um magistrado de categoria e dignidade. Lutero foi cedo iniciado nas letras, e aos treze anos de idade foi enviado a uma escola em Magdewburgo, e dali a Eisenach, na Turíngia, onde permaneceu por quatro anos, exibindo os primeiros indícios de sua futura eminência.

Em 1501 foi enviado à Universidade de Erfurt, onde passou pelos costumeiros cursos de lógica e filosofia. Aos vinte anos de idade recebeu o título de licenciado, e depois passou a ensinar a física de Aristóteles, ética, e outros departamentos de filosofia. Depois, por indicação de seus pais, se dedicou à lei civil, com vistas a dedicar-se à advocacia, porém foi afastado desta atividade pelo seguinte incidente. Andando um dia pelos campos, foi tocado por um raio, sendo precipitado no chão, enquanto seu companheiro foi morto justo a seu lado; isto o afetou de tal modo que, sem comunicar seu propósito a nenhum de seus amigos, se retirou do mundo, e se acolheu à ordem dos eremitas de santo Agostinho.

Aqui se dedicou a ler a santo Agostinho e os escolásticos; porém, rebuscando na biblioteca, achou acidentalmente uma cópia da bíblica latina, que nunca tinha visto antes. Isto atraiu poderosamente sua curiosidade; a leu ansiosamente, e sentiu-se atônito ao ver que escassa porção das Escrituras era ensinada ao povo.

Fez sua profissão no convento de Erfurt, depois de ter sido novicio durante um ano; e tomou ordens sacerdotais e celebrou sua primeira missa em 1507. um ano depois foi trasladado do mosteiro de Erfurt à Universidade de Wittenberg, porque tendo acabado de fundar-se a universidade, se pensava que nada seria melhor para dá-lhe reputação e fama imediatas que a autoridade da presença de um homem tão célebre por sua grande coragem e erudição, como Lutero.

Nesta universidade de Erfurt havia um certo ancião no convento dos agostinianos com quem Lutero, que era então da mesma ordem, conversou acerca de diversas coisas, especialmente acerca da remissão dos pecados. Acerca deste artigo, este sábio padre se franqueou com Lutero, dizendo-lhe que o expresso mandamento de Deus é que cada homem creia particularmente que seus pecados lhe são perdoados em Cristo; disse-lhe além disso que esta particular interpretação estava confirmada por são Bernardo: "Este é o testemunho que te dá o Espírito Santo em teu coração, dizendo: Teus pecados te são perdoados. Porque este é o ensino do apóstolo, que o homem é livremente justificado pela fé".

Estas palavras não só serviram para fortalecer a Lutero, senão também para ensiná-lhe o pleno sentido de são Paulo, que insiste tantas vezes nesta frase: "Somos justificados pela fé"> E tendo lido as exposições de muitos acerca desta passagem, logo percebeu, tanto pelo discurso do ancião como pelo consolo que recebeu em seu espírito, a vaidade das interpretações que antes tinha acreditado dos escolásticos. E assim, aos poucos, lendo e comparando os ditados e exemplos dos profetas e dos apóstolos, com uma contínua invocação a Deus, e a excitação da fé pelo poder da oração, percebeu esta doutrina com a maior evidência. Assim prosseguiu seu estudo em Erfurt por espaço de quatro anos no convento dos agostinianos.

Em 1512, ao ter uma pendência sete conventos de sua ordem com seu vicário geral, Lutero foi escolhido para ir a Roma para manter sua causa. Em Roma viu o Papa e sua corte, e teve também a oportunidade de observar os costumes do clero, cuja maneira apressada, superficial e ímpia de celebrar a missa observou com severidade. Tão pronto como teve ajustado a disputa que tinha sido motivo de sua viagem, voltou a Wittenberg, e foi constituído doutor em teologia, a custa de Frederico, eleitor da Saxônia, quem o havia ouvido predicar com freqüência, estava perfeitamente familiarizado com seu mérito, e o reverenciava sumamente.

Continuou na Universidade de Wittenberg, onde, como professor de teologia, se dedicou à atividade de sua vocação. Aqui começou da forma mais intensa a ler conferencias sobre os livros sagrados. Explicou a Epístola aos Romanos e os Salmos, que aclarou e explicou de uma maneira totalmente nova e diferente do que tinha sido o estilo dos anteriores comentaristas, que "parecia, após uma longa e escura noite, que amanhecia um novo dia, a juízo de todos os homens piedosos e prudentes".

Lutero dirigia diligentemente as mentes dos homens ao Filho de Deus, como João Batista anunciava o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; do mesmo modo Lutero, resplandecendo na Igreja como uma luz brilhante após uma longa e tenebrosa noite, mostrou de forma clara que os pecados são livremente remitidos pelo amor do Filho de Deus, e que deveríamos abraçar fielmente este generoso dom.

Sua vida se correspondia com sua profissão; e se evidenciou de maneira clara que suas palavras não era atividade meramente de seus lábios, senão que procediam de seu mesmo coração. Esta admiração de sua santa vida atraiu muito os corações de seus ouvintes.

Para preparar-se melhor para a tarefa que tinha empreendido, se aplicou atentamente ao estudo das línguas hebraica e grega; e a isto estava dedicado quando se publicaram as indulgências gerais em 1517.

Leão X, que sucedeu a Julio II em março de 1513, teve o desígnio de construir a magnífica Igreja de são Pedro em Roma, que desde logo tinha sido começada por Julio, mas que ainda precisava de muito dinheiro para poder ser acabada. Por isso, leão, em 1517, publicou indulgências gerais por toda a Europa, em favor de todos os que contribuíssem com qualquer suma para a edificação de são Pedro; e designou pessoas de diferentes países para proclamar estas indulgências e para receber o dinheiro das mesmas. Estes estranhos procedimentos provocaram muito escândalo em Wittenberg, e de maneira particular inflamaram o piedoso zelo de Lutero, o qual, sendo de natural ardoroso e ativo, e incapaz neste caso de conter-se, estava decidido a declarar-se em contra de tais indulgências em todas as circunstâncias.

Portanto, na véspera do dia de Todos os Santos, em 1517, fixou publicamente, na igreja adjacente ao castelo daquela cidade, uma tese sobre as indulgências; no começo das mesmas desafiava a qualquer que se opusesse a elas bem por escrito, bem por debate oral. Apenas se tinham-se publicado as proposições de Lutero acerca das indulgências que Tetzel, um frade dominicano e comissionado para sua venda, manteve e publicou uma tese em Frankfurt, na qual sustentava um conjunto de proposições diretamente contrárias a elas. Fez mais: agitou o clero de sua ordem contra Lutero; o anatematizou desde o púlpito como um herege condenável, e queimou sua tese de forma pública em Frankfurt. A tese de Tetzer foi também queimada, em reação, pelos luteranos em Wittenberg; mas o próprio Lutero negou ter tomado parte nesta ação.

Em 1518, Lutero, embora dissuadido disso por seus amigos, mas para mostrar obediência à autoridade, acudiu ao convento de santo Agostinho em Heidelberg, onde se celebrava capítulo; e ali manteve, o 26 de abril, uma disputa acerca da "justificação pela fé" que Bucero, que então estava presente, tomou por escrito, comunicando-a depois a Beatas Rhenanus, não sem os maiores elogios.

Enquanto isso, o zelo de seus adversários foi crescendo mais e mais contra ele; finalmente foi acusado diante de Leão X como herege. Então, tão logo como houve voltado de Heidelberg, escreveu uma carta àquele Papa nos termos mais submissos; lhe enviou, ao mesmo tempo, uma explicação de suas proposições acerca das indulgências. Esta carta está datada no Domingo da Trindade de 1518, e ia acompanhada de um protesto no qual se declara que "não pretendia ele propor nem defender nada contrário às Sagradas Escrituras nem à doutrina dos padres, recebida e observada pela Igreja de Roma, nem aos cânones ou decretos dos Papas; contudo, achava que tinha a liberdade bem para aprovar ou para desaprovar aquelas opiniões de santo Tomás, Boaventura e outros escolásticos e canonistas que não se baseavam em texto algum".

O imperador Maximiliano estava igual de solícito que o Papa acerca de deter a propagação das opiniões de Lutero na Saxônia, que eram perturbadoras tanto para a Igreja como para o Império. Por isso, Maximiliano escreveu a Leão uma carta datada em 5 de agosto de 1518, pedindo-lhe que proibisse, por sua autoridade, estas inúteis, desconsideradas e perigosas disputas; também lhe assegurava que cumpriria estritamente em seu império tudo aquilo que Sua santidade ordenasse.

Enquanto isso, Lutero, assim que soube o que estava-se executando acerca dele em Roma, empregou todos os meios imagináveis para impedir ser levado lá, e para obter que sua causa fosse ouvida na Alemanha. O eleitor também se opunha a que Lutero fosse a Roma, e pediu ao cardeal Caetano que pudesse ser ouvido diante dele, como legado do Papa na Alemanha. Com isto, o Papa consentiu em que sua causa fosse julgada diante do cardeal Caetano, a quem dera poderes para decidi-la.

Portanto, Lutero se dirigiu de imediato a Augsburgo, levando consigo cartas do eleitos. Chegou lá em outubro de 1518, e, tendo-lhe dado seguridades, foi admitido em presença do cardeal. Porém Lutero logo viu que tinha mais a temer do cardeal que de disputas de qualquer tipo; por isso, temendo um arresto se não se submetia, se retirou de Augsburgo o dia vinte. Todavia, antes de partir, publicou uma apelação formal ao Papa, e vendo-se protegido pelo eleitor, prosseguiu predicando as mesmas doutrinas em Wittenberg, e enviou um desafio a todos os inquisidores a que acudissem e contendessem com ele.

A respeito de Lutero, Miltitius, o assistente do Papa, tinha ordem de demandar o eleitor que o obrigasse a desdizer-se, ou que lhe negasse sua proteção; porém as coisas não poderiam ser efetuadas com tanta soberba, sendo que o crédito de Lutero estava demasiado bem estabelecido. Além disso, aconteceu que o imperador Maximiliano morreu o 12 daquele mês, o que alterou muito o aspecto das coisas, e deixou o eleitor mais capaz de decidir a sorte de Lutero. Por isso, Miltitius pensou que o melhor seria ver que se poderia fazer com meios limpos e gentis, e para este fim começou a conversar com Lutero.

Durante todos estes acontecimentos a doutrina de Lutero foi-se espalhando e prevalecendo muito; e ele mesmo recebeu alentos de sua terra e desde fora. Por aquele tempo, os boêmios lhe enviaram um livro do célebre John Huss, quem tinha caído mártir na obra da reforma, e também cartas nas que o exortavam à constância e à perseverança, reconhecendo que a teologia que ele ensinava era a pura teologia, sã e ortodoxa. Muitos homens eruditos e eminentes se puseram de sua parte.

Em 1519 teve uma célebre disputa em Leipzig com John Eccius. Mas esta disputa terminou no final como todas as outras, não tendo-se aproximado as posturas das partes em absoluto, senão que se sentiam mais inimigos pessoais que antes.

Por volta do final desse ano, Lutero publicou um livro no qual defendia que a Comunhão se celebrasse sob ambas espécies; isto foi condenado pelo bispo de Misnia o 24 de janeiro de 1520.

Enquanto Lutero trabalhava para defender-se ante o novo imperador e os bispos da Alemanha, Eccius tinha ido a Roma para pedir sua condena, o qual, como poderá conceber-se, agora não seria tão difícil de conseguir. O certo é que a contínua importunidade dos adversários de Lutero ante Leão o levaram afinal a publicar uma condena contra ele, e fez isto numa bula com data de 15 de junho de 1520. isto teve lugar na Alemanha, publicada ali por Eccius, quem a havia solicitado a Roma, e que estava encarregado, junto com Jerônimo Alessandro, pessoa eminente por sua erudição e eloqüência, da execução da mesma. Enquanto isso, Carlos I da Espanha e V da Alemanha, depois de ter resolvido suas dificuldades nos Países Baixos, passou para a Alemanha, e foi coroado imperador o 21 de outubro em Aquisgrão.

Martinho Lutero, depois de ter sido acusado por vez primeira em Roma em Quinta-Feira Santa pela censura papal, se dirigiu pouco depois da Páscoa para Worms, onde, comparecendo ante o imperador e todos os estados da Alemanha, se manteve constante na verdade, se defendeu a si mesmo, e deu respostas a seus adversários.

Lutero permaneceu alojado, bem obsequiado e visitado por muitos condes, barões, cavalheiros da ordem, gentis-homens, sacerdotes e dos comuns, que freqüentavam seu alojamento até a noite.

Veio, em contra das expectativas de muitos, tanto adversários como amigos. Seus amigos deliberaram juntos, e muitos trataram de persuadi-lo para não aventurar-se a tal perigo, considerando que tantas vezes não se tinha respeitado a promessa feita de segurança. Ele, após ter ouvido todas suas persuasões e conselhos, respondeu deste jeito: "No que a mim respeita, já que me chamaram, estou resolvido e certamente decidido a acudir a Worms, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo; sim, ainda que soubesse que há tantos demônios para resistir-me ali como telhas para cobrir as casas de Worms".

No dia seguinte, o arauto o levou de seu alojamento até a corte do imperador, onde ficou até as seis da tarde, porque os príncipes estavam ocupados em graves consultas; estando ali, e rodeado de um grande número de pessoas, e quase amassado por tanta multidão. Depois, quando os príncipes sentaram, entrou Lutero e Eccius, o oficial, falou da seguinte forma:

"Responde agora à demanda do Imperador. Manterás tu todos os livros que reconheceste como teus, ou revogarás algumas partes dos mesmos e te submeterás?"

Martinho Lutero respondeu modesta e humildemente, todavia não sem uma certa firmeza e constância cristãs: "Considerando que vossa soberana majestade e vossas honras demandam uma resposta direta, isto digo e professo tão resolutamente como posso, sem dúvidas nem sofisticações, que se não me convencerdes pelo testemunho das Escrituras (porque não acredito nem no Papa nem em seus Concílios gerais, que têm errado tantas vezes, e que têm sido contraditórios entre si), minha consciência está tão ligada e cativa por estas Escrituras e a Palavra de Deus, que não me desdigo nem me posso desdizer de nada em absoluto, considerando que não é nem piedoso nem legítimo fazer nada em contra de minha consciência. Aqui estou e nisto descanso: nada mais tenho a dizer. Que Deus tenha misericórdia de mim!"

Os príncipes consultaram entre si acerca desta resposta dada por Lutero, e após terem interrogado diligentemente o mesmo, o pró-locutor começou e interpelá-lo assim: "A Majestade Imperial demanda de ti uma simples resposta, seja negativa, seja afirmativa, se pretendes defender todos teus livros como cristãos ou não".

Então Lutero, dirigindo-se ao imperador e aos nobres, rogou-lhes que não o forçassem a ceder contra sua consciência, confirmada pelas Sagradas Escrituras, sem argumentos manifestos que alegassem seus adversários. "Estou amarrado pelas Escrituras".

Antes de se dissolver a Dieta de Worms, Carlos V fez redigir um édito, datado o 8 de maio, decretando que Martinho Lutero fosse, em conformidade com a sentença do Papa, considerado desde então membro separado da Igreja, cismático, e herege obstinado e notório. Enquanto a bula de Leão X, executada por Carlos V trovejava por todo o Império, Lutero foi encerrado a salvo no castelo de Wittenberg; mas cansado afinal de seu retiro, voltou aparecer em público em Wittenberg o 6 de março de 1522. depois de uma ausência de uns dez meses.

Lutero fez agora abertamente a guerra ao Papa e aos bispos; e a fim de lograr que o povo menosprezasse a autoridade dos mesmos tanto como for possível, escreveu um livro contra a bula do Papa, que outro contra a Ordem, falsamente chamado "A Ordem Episcopal". Publicou também uma tradução do Novo Testamento na língua alemã, que foi posteriormente corrigida por ele mesmo e Melanchton.

Agora reinava a confissão na Alemanha, e não menos na Itália, porque surgiu uma contenda entre o Papa e o Imperador, durante a qual Roma foi tomada duas vezes, e o Papa feito prisioneiro. Enquanto os príncipes estavam assim ocupados em suas mútuas pendências, Lutero prosseguiu efetuando a obra da Reforma, opondo-se também aos papistas e combatendo os anabatistas e outras seitas fanáticas que, aproveitando seu enfrentamento com a Igreja de Roma, tinham surgido e estabelecido em diversos lugares.

Em 1527, Lutero sofreu um ataque de coagulação do sangue em volta do coração, que quase deu fim a sua vida. Parecendo que as perturbações na Alemanha não tinham fim, o Imperador viu-se obrigado a convocar uma dieta em Spira, em 1529, para pedir a ajuda dos príncipes do império contra os turcos. Quatorze cidades — Estrasburgo, Nuremberg, Ulm, Constanza, Retlingen, Windsheim, Merumingen, Lindow, Kempten, Hailbron, Isny, Weissemburg, Norlingen, St. Gal— se uniram contra o decreto da dieta, emitindo um protesto que foi escrito e publicado em abril de 1529. Este foi o célebre protesto que deu o nome de "Protestantes" aos reformadores na Alemanha.

Depois disto, os príncipes protestantes empreenderam a formação de uma aliança firme, e instruíram o eleitor da Saxônia e seus aliados para aprovarem o que a Dieta tinha feito; porém os deputados redigiram uma apelação, e os protestantes apresentaram depois uma apologia por sua "Confissão", a famosa confissão que tinha sido redigida pelo moderado Melanchton, como também a apologia. Tudo isto foi assinado por vários dos príncipes, e a Lutero não restou nada mais por fazer senão sentar-se e contemplar a magna obra que se executara; porque que um único monge puder dar à Igreja de Roma um golpe tão rude que se necessitasse somente de mais um parecido para derrubá-la de vez, bem pode considerar-se uma magna obra.

Em 1533 Lutero escreveu uma epístola consoladora aos cidadãos de Oschatz, que tinham sofrido algumas penalidades por terem aderido à confissão de fé de Augsburgo; e em 1534 se imprimiu a Bíblia que ele havia traduzido ao alemão, como o mostra o antigo privilégio datado em Bibliópole, de mão do próprio eleitor, e foi publicada no ano seguinte. Também naquele ano publicou um livro: "Contra as Missas e a Consagração dos Sacerdotes".

Em fevereiro de 1537 se celebrou uma assembléia em Smalkalda acerca de questões religiosas, à qual foram chamados Lutero e Melanchton. Nesta reunião Lutero caiu tão doente que não havia esperanças de sua recuperação. Enquanto o levavam de volta escreveu seu testamento, no qual legada seu desdém pelo papado a seus amigos e irmãos. E assim esteve ativo até sua morte, em 1546.

Naquele ano, acompanhado por Melanchton, tinha visitado seu próprio país, que não tinha vito por muitos anos, e voltara são e salvo. Porém, pouco depois foi chamado de novo pelos condes de Masfelt, para que arbitrasse umas diferenças que tinham surgido acerca de seus limites, e ao chegar foi recebido por mais de uma centena de cavalheiros, e conduzido de forma sumamente honrosa. Mas naquele tempo adoeceu tão violentamente que se temeu pudesse morrer. Disse então que estes ataques de doença sempre lhe sobrevinham quando tinha uma grande obra para empreender. Todavia, nesta ocasião não se recuperou, e morreu o 18 de fevereiro, à idade de setenta e três anos. Pouco antes de expirar, admoestou àqueles que estavam a sua volta para que orassem pela propagação do Evangelho, "porque o Concílio de Trento", disse-lhes, "que teve uma ou duas sessões, e o Papa, inventarão estranhas coisas contra ele". Sentindo que se aproximava o fatal desenlace, antes das nove da manhã se encomendou a Deus com esta devota oração: "Meu Pai celestial, Deus eterno e misericordioso! Tu me manifestaste teu amado Filho, nosso Senhor Jesus Cristo. O tenho ensinado, o tenho conhecido; o amo como a minha vida, minha saúde e minha redenção, Àquele a quem os malvados perseguiram, caluniaram e afligiram com vitupérios. Leva minha alma a Ti".

Por disto disse o que se segue, repetindo-o três vezes: "Em tuas mãos encomendo meu espírito, Tu me remiste, oh Deus da verdade! Porque de tal forma amou Deus ao mundo, que deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha vida eterna". Tendo repetido suas orações várias vezes, foi chamado a Deus. assim, orando, sua limpa alma foi separada pacificamente do corpo terreno.

A perseguição de Zisca



O verdadeiro nome deste zeloso servo de Cristo era João de Troczonow; o nome de Zisca é uma palavra boêmia, que significa caolho, já que tinha perdido um olho. Era íntima de Boêmia, de uma boa família, e deixou a corte de Wenceslau para entrar no serviço do rei da Polônia contra os cavalheiros germanos. Tendo obtido um título honorifico e uma bolsa de ducados por seu valor, ao terminar a guerra voltou à corte de Wenceslau, ante quem reconheceu abertamente o profundo interesse que se tomava na sanguinária afronta que se tinha feito aos súbditos de sua majestade em Constança, no assunto de Huss. Wenceslau lamentava não ter o poder de vingá-lo, e desde este momento se diz que Zisca assumiu a idéia de afirmar as liberdades religiosas de seu país. No ano 1418 se dissolveu o Concílio, tendo feito mais mal que bem, e no verão daquele ano se celebrou uma reunião geral dos amigos da reforma religiosa no castelo de Wisgrade que, dirigida por Zisca, se dirigiram ao imperador com armas na mão, e ofereceram defendê-lo contra seus inimigos. O rei limitou-se a empregar suas armas da maneira devida, e este êxito político assegurou pela primeira vez a Zisca a confiança de seu partido.

Wenceslau foi sucedido por seu irmão Segismundo, quem se fez odioso para os reformadores, e eliminou a todos os que estavam em contra de seu governo. Ante isto, Zisca e seus amigos de imediato recorreram às armas, declararam a guerra ao imperador e ao Papa, e puseram sitio a Pilsen com 40.000 homens. Logo se apropriaram da fortaleza, e em breve tempo se submeteu roda a parte sudoeste da Boêmia, o que acrescentou grandemente o exército dos reformadores. Tendo tomado estes o passo de Muldaw, depois de um severo conflito de cinco dias e cinco noites, o imperador se alarmou, e retirou suas tropas da fronteira turca, para dirigi-las à Boêmia. Se deteve em Bmo de Moravia, e enviou despachos para um tratado de paz, em preparação do qual Zisca entregou Pilsen e todas as fortalezas que tinha tomado. Segismundo agiu de forma que mostrava que verdadeiramente agia com base na doutrina romanista de que não devia guardar a palavra dada aos hereges, e ao tratar com severidade a alguns dos autores das últimas perturbações soou o alarme de um confim até o outro da Boêmia. Zisca tomou o castelo de Praga com o poder do dinheiro, e o 19 de agosto de 1420 derrotou o pequeno exército que o imperador tinha mobilizado rapidamente para opor-se a ele. A continuação tomou Ausea por assalto, destruindo a cidade com uma brutalidade que desonrou a causa pela qual lutava.

Ao aproximar-se o inverno, Zisca fortificou seu acampamento num monte forte a umas quarenta milhas de Praga, que chamou Monte Tabor, desde onde surpreendeu a meia-noite um corpo de cavalaria, fazendo mil prisioneiros. Pouco depois, o imperador se fez com a fortaleza de Praga pelos mesmos métodos de Zisca antes; logo foi assediado por este último, e a fome começou ameaçar o imperador, que viu a necessidade de uma retirada. Decidido a fazer um esforço desesperado, Segismundo atacou o campo fortificado de Zisca em Monte Tabor, e fez uma grande carnificina. Caíram também muitas outras fortalezas, e Zisca se retirou a um monte agreste, que fortificou muito, e desde onde fustigou tanto o imperador em seus ataques contra a cidade de Praga que viu que ou bem devia abandonar o assedio, ou bem derrotar seu inimigo. O marquês de Misnia foi enviado para executar isto último com um grande corpo de tropas, porém este acontecimento foi fatal para os imperialistas; foram derrotados, e o imperador, quem tinha perdido quase um terço de seu exército, levantou o assedio de Praga, fustigado em sua retaguarda pelo inimigo.

Na primavera de 1421 Zisca começou sua campanha, como antes, destruindo todos os mosteiros a seu passo. Assediou o castelo de Wisgrade e, acudindo em auxílio o imperador, caiu numa armadilha, foi derrotado com uma grande matança, e assim foi tomada esta importante fortaleza. Nosso general tinha agora tempo para empreender a obra da reforma, porém sentiu-se muito desgostado pela rústica ignorância e superstição do clero boêmio, que se fizeram desprezíveis aos olhos de todo o povo. Quando via sintomas de mal-estar em seu exército, fazia soar o alarme para ocupá-los, e levá-los à ação. Numa dessas expedições acampou frente da cidade de Rubi, e enquanto inspecionava o lugar para o assalto, uma seta disparada desde a muralha lhe deu no olho. Em Praga foi extraída, mas ao ter barbas desgarrou-lhe o olho. Seguiu uma febre, e a duras penas salvou a vida. Ficou totalmente cego, porém desejoso ainda de ajudar o exército. O imperador, quem tinha chamado os estados do império em sua ajuda, resolveu, com eles, atacar a Zisca no inverno, porém muitas de suas tropas foram embora até a primavera.

Os príncipes confederados empreenderam o sítio de Soisin, mas com a simples aproximação do general boêmio se retiraram. Contudo, Segismundo avançou com seu formidável exército, consistente em 15.000 efetivos da cavalaria húngara e 25.000 infantes, bem equipados para uma campanha de inverno. Este exército semeou o terror por todo o leste da Boêmia. Aí por onde avançava Segismundo, os magistrados das cidades colocavam as chaves a seus pés, e eram tratados com dureza ou com favor segundo seus méritos em sua causa. Não obstante, Zisca, com marchas forçadas, se aproximou dele, e o imperador resolveu tentar fortuna mais uma vez contra aquele invencível general. O 13 de janeiro de 1422, os dois exércitos se encontraram na espaçosa planície perto de Kremnitz. Zisca apareceu no centro de sua linha frontal, guardado, ou mais bem conduzido, por um cavalheiro a cada lado, armado com um machado. Suas tropas, tendo cantado um hino, tiraram suas espadas com decidida frieza, e esperaram um sinal. Quando seus oficiais lhe informaram que as filas estavam todas bem fechadas, brandiu seu sabre sobre sua cabeça, o que foi o sinal do início da batalha.

Esta batalha tem sido descrita como um terrível espetáculo. Toda aquela planície constituiu uma contínua cena de desordem. O exército imperial se lançou à fuga para os confins da Moravia, sendo fustigados pelos taboritas na retaguarda sem descanso algum. O rio Igla, que estava gelado, se opus a sua passagem. Pressionados furiosamente pelo inimigo, muitos da infantaria, e todo o corpo da cavalaria, tentaram passar o rio. O gelo cedeu, e não menos de dois mil encontraram seu fim naquelas águas. Zisca voltou agora a Tabor, carregado com todos os despojos e troféus que poderia dar a mais completa vitória.

Zisca começou a dar sua atenção agora a Reforma. Proibiu todas as orações pelos mortos, as imagens, as vestes sacerdotais, os jejuns e as festas religiosas. Os sacerdotes deviam ser escolhidos por seus méritos, e ninguém devia ser perseguido por suas opiniões religiosas. Em tudo, Zisca consultou as mentes liberais, e não fez nada sem um consenso geral. Teve lugar em Praga um alarmante desacordo entre os magistrados calixtanos, ou receptores do sacramento em ambas espécies, e os taboritas, nove de cujos chefes foram arrestados em privado e executados. A plebe, enfurecida, deu morte aos magistrados, e a questão terminou sem mais conseqüências. Tendo ficado os calixtanos afundados no desprezo, se pediu a Zisca que aceitasse a coroa da Boêmia, ao qual ele recusou nobremente, e se dedicou a preparar-se para sua nova campanha. Segismundo resolveu empreender seu último esforço. Enquanto o marquês de Misnia penetrava na Alta Saxônia, o imperador se propôs entrar na Moravia pela fronteira da Hungria. Antes que o marquês tomasse o campo, Zisca se assentou diante da cidade forte de Aussig, situada sobre o rio Elba. O marquês se lançou veloz em auxílio com um exército superior em número, mas, depois de uma obstinada luta, foi totalmente derrotado, e Aussig capitulou. Zisca se dirigiu em auxílio de Procop, um jovem general a quem tinha designado para manter em xeque a Segismundo, ao que obrigou a abandonar seu assedio de Pernitz após ter permanecido durante oito semanas sitiando-a.

Zisca, desejando dar a suas tropas algum descanso, entrou agora em Praga, esperando que sua presença acalmaria toda intranqüilidade que pudesse ficar após a anterior perturbação. Todavia, foi repentinamente atacado pelo povo; trás desprender-se ele e suas tropas dos cidadãos, se retiraram a seu exército, ao qual fizeram saber da traiçoeira conduta dos calixtanos. Foram feitos todos os esforços de comunicação necessários para apaziguar sua vingativa animosidade e, pela noite, numa entrevista privada entre Roquesan, um clérigo de grande eminência em Praga, e Zisca, este se reconciliou com eles, e as hostilidades que se maquinavam foram anuladas.

Mutuamente cansados da guerra, Segismundo enviou uma mensagem a Zisca, pedindo-lhe que embainhasse sua espada, e que propusesse suas condições. Estabelecendo-se um lugar para as conferencias, Zisca, com seus principais oficiais, foi encontrar-se com o imperador. Obrigado a passar por uma zona do país onde a peste estava causando estragos caiu atacado por ela no castelo de Briscaw, e partiu desta vida o 6 de outubro de 1424. o mesmo que Moisés, morreu à vista da consumação de sua obra, e foi sepultado na grande Igreja de Czaslow, na Boêmia, onde há um grande monumento levantado em sua memória, com esta inscrição: "Aqui jaz João Zisca, que, tendo defendido este país contra as usurpações da tirania papal, descansa neste santo lugar, apesar do papa".

Depois da morte de Zisca, Procop foi derrotado, e caiu junto com as liberdades de seu país.

Depois da morte de Huss e de Jerônimo, o Papa, junto com o Concílio de Constança, ordenou ao clero romanista em todas partes que excomungassem os que adotassem as opiniões ou que lamentassem sua sorte.

Estas ordens causaram grandes lutas entre os boêmios papistas e os reformados, conduzindo a uma violenta perseguição contra estes últimos. Em Praga, a perseguição foi extremamente severa até que, no final, os reformados, reduzidos à desesperação, se armaram, atacaram a casa do senado, e lançaram doze senadores e o presidente pelas janelas, caindo seus corpos sobre lanças, colocadas por outros reformados na rua, para recebê-los.

Informados destes procedimentos, o Papa chegou a Florência e excomungou publicamente os boêmios reformados, incitando o imperador da Alemanha e a todos os reis, príncipes, duques, etc., a tomar as armas para extirpar toda a raça, prometendo-lhes, como incentivo, a plena remissão de todo tipo de pecados até para a pessoa mais malvada, se tão somente davam morte a um reformado boêmio.

Este foi o início de uma sangrenta guerra, porque vários príncipes papistas empreenderam a extirpação, ou pelo menos a expulsão, daquele povo proscrito; e os boêmios, acudindo às armas, se dispuseram a repelir a força com a força da maneira mais vigorosa e firmeza. O exército papista venceu as forças reformadas na batalha de Cuttenburgh, e os prisioneiros reformados foram levados a três profundas minas perto da cidade, e várias centenas deles foram lançados cruelmente dentro de cada uma, onde morreram miseravelmente.

Um mercador de Praga que ia para Breslau, na Silésia, se alojou na mesma pousada que vários sacerdotes. Iniciando uma conversação sobre a questão da controvérsia religiosa, fez muitos elogios do martirizado John Huss e de suas doutrinas. Os sacerdotes, irados por isto, apresentaram denúncia contra ele na manhã seguinte, e foi lançado no cárcere como herege. Foram realizados muitos esforços por persuadi-lo a aceitar a fé católico-romana, porém se manteve firme nas puras doutrinas da Igreja reformada. Pouco depois de seu encarceramento, colocaram um estudante da universidade na mesma masmorra. Sendo-lhes permitido conversar, se alentaram mutuamente. No dia marcado para a execução, quando o carcereiro começou a amarrá-lhes cordas aos pés, com as quais iam ser arrastados pelas ruas, o estudante deu mostras de estar aterrorizado, e ofereceu abjurar de sua fé e fazer-se católico-romano se podia ser perdoado. Sua oferta foi aceita, sua abjuração foi tomada por um sacerdote, e foi libertado. Ao pedi-lhe um sacerdote para seguir o exemplo do estudante, o mercador repus com nobreza: "Não percais o tempo esperando que me retrate; esperareis em vão. De verdade tenho pena daquele pobre desgraçado, que tem sacrificado miseravelmente sua alma por uns poucos e incertos anos a mais desta vida gravosa; bem longe de pensar em seguir seu exemplo, me glorio nos pensamentos mesmos de morrer pela causa de Cristo". Ao ouvir estas palavras, o sacerdote ordenou o carrasco que prosseguisse, e o preso foi arrastado pelas ruas da cidade, levado ao lugar da execução, e ali queimado.

Pichel, um fanático papista, apreendeu vinte e quatro protestantes, entre os que se encontrava o marido de sua filha. Tendo reconhecido todos eles que eram da religião reformada, os condenou indiscriminadamente a morrerem afogados no rio Abbis. No dia marcado para a execução, acudiu uma grande multidão, entre a que se encontrava a filha de Pichel. Esta digna esposa se lançou aos pés de seu pai, regando-os com seu choro, e lhe implorou da forma mais patética que se compadecesse de sua dor, e que perdoasse seu marido. O endurecido magistrado disse-lhe friamente: "Não intercedas por ele, filha minha; é um herege, um vil herege". A isto ela replicou nobremente: "Sejam quais forem suas faltas, continua sendo meu marido, um homem que, num momento como este, é o único que deveria receber toda minha consideração". Pichel se enfureceu e disse: "Estás louca! Acaso não podes, após sua morte, encontrar um marido muito mais digno?". "Não, senhor (disse ela); meus afetos estão nele, e a mesma morte não dissolverá meus votos matrimoniais". Mas Pichel se manteve inflexível, e ordenou que se amarrassem as mãos e os pés dos presos, e que deste jeito fossem lançados no rio. Tão logo como isto foi executado, a jovem esperou sua oportunidade, pulou na água e, abraçando-se ao corpo de seu marido, se afundou nele num túmulo de água. Um exemplo insólito de amor conjugal numa esposa, e de uma adesão inviolável e um profundo apego a seu marido.

O imperador Fernando, cujo ódio contra os reformados boêmios não conhecia limites, pensando que não os havia oprimido o bastante, instituiu um tribunal supremo de corretores, sobre o plano da Inquisição, com a diferença de que os corretores deviam ser itinerantes, e ir sempre acompanhados de uma companhia de soldados.

Estes corretores consistiam principalmente em jesuítas, e não havia apelação possível a suas sentenças, pelo que pode conjeturar-se facilmente que se tratava de um tribunal verdadeiramente terrível.

Este sanguinário tribunal, assistido por tropas, fez o circuito de Boêmia, no qual apenas se interrogaram ou viram algum prisioneiro, deixando que os soldados assassinassem os reformados como gostassem, e que depois lhes dessem um informe do acontecido.

A primeira vítima de sua crueldade foi um ancião ministro, ao qual deram morte enquanto jazia doente em seu leito; no dia seguinte roubaram e assassinaram a outro, e pouco depois a um terceiro, enquanto predicava no púlpito.

Um nobre e um clérigo que residiam num povoado reformado, ao ouvirem da proximidade do alto tribunal corretor e das tropas, fugiram do lugar e se ocultaram. Porém os soldados, ao chegar, apresaram o professor da escola, lhe perguntaram onde tinham-se ocultado o senhor do lugar e o ministro, e onde tinham escondido as riquezas. O professor respondeu que não podia responder a essas perguntas. Então o despiram, o amarraram com cordas, e o açoitaram da forma mais atroz com cassetetes. Ao não lograr extraí-lhe nenhuma confissão, o queimaram em várias partes do corpo; então, para lograr algum descanso de seus tormentos, lhe prometeu mostrar-lhes onde estavam os tesouros. Os soldados o ouviram contentes, e o professor os conduziu a uma fossa cheia de pedras, dizendo: "Embaixo destas pedras estão os tesouros que buscais". Ansiosos por encontrar dinheiro, se lançaram ao trabalho, e pronto tiraram as pedras. Porém, não achando o que desejavam, bateram no professor até matá-lo, o lançaram no fosso e o cobriram com as pedras que tinha-lhes feito remover.

Alguns dos soldados estupraram a filha de um digno reformado diante de seus olhos, e depois o torturaram até morrer. A um ministro e a sua mulher os amarraram de costas, e os queimaram. A outro ministro o penduraram de uma viga, e acendendo um fogo embaixo dele, o assaram até morrer. A um cavalheiro o trucidaram, e encheram a boca de um jovem com pólvora, e depois a acenderam, voando-lhe a cabeça.

Como a maior fúria da perseguição se dirigia contra o clero, tomaram um piedoso ministro reformado, e atormentando-o a diário durante um mês seguido, da forma como se descreve mais na frente, fizeram de sua crueldade uma atividade sistemática, regular e progressiva.

O colocaram entre eles, e o fizeram objeto de zombaria e escárnio, durante todo um dia de entretenimento, tentando exaurir sua paciência, porém em vão, pois agüentou tudo aquilo com verdadeira paciência cristã. Cuspiram em seu rosto, lhe puxaram o nariz, o beliscaram por todas as partes do corpo. Foi caçado como uma fera, até que esteve quase morto de fadiga. o fizeram correr num túnel entre duas fileiras deles, batendo-o cada um com uma vara. Deram socos nele. O acoitaram com cordas e arames. O surraram com cassetetes. O amarraram pelos calcanhares colocando-o cabeça para abaixo, até que começou a sai-lhe sangue pelo nariz, a boca, etc. o penduraram pelo braço direito até deslocá-lo, e depois voltaram colocá-lo bem. O mesmo fizeram com seu braço esquerdo. Puseram-lhe papéis ardendo, empapados em óleo, entre os dedos das mãos e dos pés. Arrancaram a carne com pinças candentes. O colocaram no potro. Lhe arrancaram as unhas da mão direita. O mesmo fizeram com as da mão esquerda. Deram-lhe pauladas nos pés. Lê racharam a orelha direita; depois a esquerda; depois o nariz. O levaram por toda a cidade montado sobre um asno, dando-lhe chicotadas durante o caminho. Fizeram-lhe várias incisões na carne. Arrancaram-lhe as unhas dos dedos do pé direito; depois fizeram o mesmo com as do seu pé esquerdo. Foi amarrado pelas costas e suspendido durante muito tempo. Lhe arrancaram os dentes do maxilar superior. Depois fizeram o mesmo com os do inferior. Verteram chumbo fervendo sobre os dedos das mãos. Depois fizeram o mesmo com os dos pés. Lhe apertaram uma corda sobre a testa de tal modo que forçaram seus lhos fora das órbitas.

Durante todas estas horrendas crueldades se tomaram um cuidado particular em que suas feridas não gangrenassem, e em não feri-lo mortalmente até o último dia, no que o forçamento de seus olhos fora de suas órbitas resultou em sua morte.

Foram inúmeros os outros assassinatos e depredações cometidos por aqueles implacáveis e insensíveis brutamontes, e turbadoras para a humanidade foram as crueldades infligidas sobre os coitados reformados boêmios. Todavia, por estar demasiado avançado o inverno, o alto tribunal dos corretores, junto com seu infernal bando de rufiões militares, acharam apropriado voltar a Praga; porém de caminho, encontrando um pastor reformado, não puderam resistir a tentação de festejar seus bíblicos olhos com um novo tipo de crueldade, que acabava de surgir da diabólica imaginação de um dos soldados. Tratava-se de desvestir o ministro, e cobri-lo de forma alternada com gelo e brasas acesas. Esta nova forma de atormentar um semelhante foi posta em prática de imediato, e a infeliz vítima expirou sob os tormentos, que pareciam deleitar seus desumanos perseguidores.

O imperador logo deu uma ordem secreta para apressar a todos os nobres e gentis-homens que tinham estado principalmente implicados em sustentar a causa reformada, e em designar a Frederico eleitor palatino do Rhin para ser rei da Boêmia. Estes, que eram cinqüenta, foram apreendidos numa mesma noite, e na mesma hora, e trazidos desde os lugares onde tinham sido apresados ao castelo de Praga; as possessões dos ausentes do reino foram confiscadas, e eles declarados proscritos, e seus nomes colocados em patíbulos, como marcas de pública ignomínia.

O alto tribunal dos corretores procedeu então a julgar os cinqüenta que tinham sido apreendidos, e dois reformados apóstatas foram designados para interrogá-los. Estes interrogadores fizeram um grande número de perguntas desnecessárias e impertinentes, o que exasperou de forma tal a um dos nobres, que de natural era de caráter impetuoso, que exclamou, enquanto cobria seu peito: "Corta aqui, busca em meu coração; não achará coisa alguma mais que o amor à religião e à liberdade; estes foram os motivos pelos que desembainhei a espada, e por estes estou disposto a sofrer a morte".

Como nenhum dos presos queria mudar de religião nem reconhecer que tinha estado num erro, todos foram declarados culpados. Porém a sentença foi remitida ao imperador. Quando o monarca houve lido os nomes e a relação das respectivas acusações, pronunciou sentença sobre todos, ainda que de formas distintas, porque suas sentenças foram de quatro classes: a morte, o desterro, a cadeia perpétua e o encarceramento a discrição.

Vinte deles foram ordenados para a execução, e foi-lhes informado que podiam pedir assistência de jesuítas, monges ou frades, para preparar-se para o terrível trânsito que deviam sofrer. Porém não lhes seria permitida a presença de nenhum reformado. Eles rejeitaram esta proposta, e tentaram tudo o que puderam a fim de consolar-se e alentar-se uns a outros nessa solene ocasião.

Na manhã do dia indicado para a execução, se disparou um canhão como sinal para que os presos fossem trazidos desde o castelo até a principal praça do mercado, onde tinham levantado cadafalsos, e um corpo de tropas para assistir à trágica cena.

Os prisioneiros saíram do castelo com tanto ânimo como se estivessem dirigindo-se a um agradável entretenimento, em lugar de ir afrontar uma morte violenta.

Aparte dos soldados, jesuítas, sacerdotes, carrascos, assistentes, etc., assistiu uma prodigiosa concorrência de plebe, para ver o triunfo destes devotos mártires, que foram executados na seguinte ordem:

O senhor de Schilik tinha uns cinqüenta anos de idade, e umas grande qualidades naturais e adquiridas. Quando lhe disseram que seria esquartejado, e que seus membros seriam dispersados por diferentes lugares, sorriu com grande serenidade, dizendo: "A perda da sepultura é uma consideração mais que nímia". Ao gritar-lhe um cavalheiro que estava perto, dizendo: "Valor, meu senhor!", ele respondeu: "Tenho o favor de Deus, que é suficiente para inspirar valor a qualquer; não me turba o temor à morte; antes a tenho enfrentado em campos de batalha ao opor-me ao Anticristo; e agora me enfrentarei a ela no cadafalso, por causa de Cristo". Tendo feito uma curta oração, disse ao carrasco que estava pronto. Este lhe cortou a mão direita e a cabeça, e depois o esquartejou. Sua mão e sua cabeça foram colocadas na alta torre de Praga, e seus quartos distribuídos por diferentes partes da cidade.

O senhor visconde Wenceslau, que havia chegado até a idade de setenta anos, era igualmente respeitável por sua erudição, piedade e hospitalidade. Seu caráter era tão paciente que quando sua casa foi violentada, e sua propriedade tomada e suas fincas confiscadas, somente disse, com grande compostura: "O Senhor o deu, o Senhor o tirou". Ao perguntar-lhe por que dedicava-se a uma causa tão perigosa como a de tratar de sustentar o eleitor palatino Frederico contra o poder do imperador, respondeu: "Tenho agido estritamente segundo os ditados de minha consciência, e, até o dia de hoje, o considero meu rei. Agora estou cheio de anos, e desejo dar minha vida para não ser testemunha dos adicionais males que sobrevirão ao meu país. Faz muito tempo que estais sedentos de meu sangue. Tomai-o, porque Deus será meu vingador". Depois, aproximando-se ao talho, afagou sua longa barba cinza, e disse: "Cabelos veneráveis, quanta maior honra vos espera, uma coroa de martírio é a vossa parte". Depois, colocando a cabeça, foi-lhe separada do corpo de um só golpe, e cravada numa estaca numa parte visível da cidade.

O senhor de Harant era homem de bom sentido, grande piedade e muita experiência ganha em suas viagens, porquanto tinha visitado os principais lugares da Europa, Ásia e África. Por isso estava livre de prejuízos nacionais, e tinha adquirido muito conhecimento.

A acusação em contra deste nobre era que era protestante, e que tinha feito juramente de adesão a Frederico, eleitor palatino do Rhin, como rei da Boêmia. Quando chegou ao cadafalso, disse: "Tenho viajado por muitos países, e atravessado várias nações bíblicas, porém nunca achei tanta crueldade como em minha pátria. Tenho escapado de numerosos perigos por mar e terra, e me sobrepôs a dificuldades inconcebíveis, para sofrer inocentemente no lugar que me viu nascer. Meu sangue é do mesmo modo procurado por aqueles por quem eu, e meus antepassados, temos arriscado nossas possessões; porém, oh, Deus onipotente, perdoa-os, porque não sabem o que fazem!". Depois foi até o talho, se ajoelhou, e exclamou com grande energia: "Em tuas mãos, oh, Senhor, encomendo meu espírito! Em Ti tenho sempre confiado. Recebe-me, pois, meu bendito Redentor". Caiu então o golpe fatal, e recebeu o ponto final para as dores temporárias desta vida.

O senhor Frederico de Bile sofreu como protestante, e como promotor da última guerra; afrontou sua sorte com serenidade, e somente disse que desejava o bem aos amigos que deixava para trás, que perdoava os inimigos causantes de sua morte, que rejeitava a autoridade do imperador naquele país, reconhecendo a Frederico como único rei legítimo da Boêmia, e que confiava para sua salvação nos méritos de seu bendito Redentor.

O senhor Henrique Otto, quando chegou ao patíbulo, parecia muito confundido, e disse, com uma certa aspereza, como se dirigindo-se ao imperador: "Tu, oh tirano Fernando, teu trono está estabelecido em sangue, porém se das morte a meu corpo, e dispersas meus membros, contudo se levantarão para sentar-se em juízo contra ti". Depois calou-se, e tendo caminhado durante um certo tempo em volta do cadafalso, pareceu recobrar suas energias e acalmar-se, e disse então a um cavalheiro que estava perto: "Faz poucos minutos estava muito enfermo, porém agora sinto avivar meu espírito; Deus seja louvado por conceder-me tal consolo; a morte já não aparece como rei do espanto, senão que parece convidar-me a participar de alguns gozos desconhecidos". Ajoelhando-se ante o talho, disse: "Deus onipotente! A Ti encomendo minha alma. Recebe-a por causa de Cristo, e admite-a na glória de tua presença". O verdugo causou muito sofrimento a este nobre, ao dá-lhe vários golpes antes de separá-lhe a cabeça do corpo.

O conde de Rugênia destacava por suas grandes qualidades e piedade não fingida. No cadafalso disse: "Os que tiramos nossas espadas lutamos só para preservar as liberdades do povo e para guardar invioladas nossas consciências. Como vencemos, me comprazo mais na sentença de morte que se o imperador me tiver concedido a vida; porque vejo que a Deus lhe apraz que Sua verdade seja defendida não pelas nossas espadas, mas pelo nosso sangue". Depois avançou com resolução para o talho, dizendo: "Agora logo estarei com Cristo", e recebeu com grande valor a coroa do martírio.

O senhor Gaspar de Kaplitz tinha oitenta e seis anos de idade. Quando chegou no lugar da execução, se dirigiu assim ao principal oficial: "Aqui tens um pobre ancião que amiúde lhe pediu a Deus que o tirasse deste mundo malvado, mas que não pôde até agora obter seu desejo, porque Deus me reservou até estes anos para ser um espetáculo para o mundo e um sacrifício para si mesmo. Por isso, seja feita a vontade de Deus". Um dos oficiais lhe disse que em consideração a sua avançada idade, se tão somente pedia perdão, lhe seria concedido de imediato. "Pedir perdão!", exclamou ele. "Somente pedirei perdão a Deus, a quem freqüentemente tenho ofendido, mas não ao imperador, a quem jamais dei motivo algum de agravo; se agora pedisse perdão, poder-se-ia suspeitar com justiça que tenha cometido algum crime que merecesse esta condena. Não, não, já que morro como inocente, e com uma limpa consciência, não gostaria de separar-me desta nobre companhia de mártires". Dito isto, colocou animadamente seu pescoço sobre o talho.

Procopius Dorzecki disse, no patíbulo: "Estamos agora sob condenação do imperador, mas a seu tempo ele será julgado, e nós compareceremos como testemunhas contra ele". Depois, tomando uma medalha de ouro de seu pescoço, que tinha sido cunhada quando Frederico fora coroado rei da Boêmia, a apresentou a um dos oficiais, dizendo-lhe ao mesmo tempo estas palavras: "Como homem a ponto de morrer, peço que se jamais o rei Frederico é restaurado no trono da Boêmia, lhe entregueis esta medalha. Dizei-lhe que por sua causa a levei até a morte, e que agora entrego bem disposto minha vida por Deus e por meu rei". Depois disso, bravamente colocou a cabeça e se submeteu ao golpe fatal.

Dionísio Sérvio tinha sido criado como católico-romano, mas fazia vários anos que tinha abraçado a religião reformada. Quando se encontrou sobre o cadafalso, os jesuítas exerceram todos seus esforços por lograr sua retratação e que voltasse a sua anterior fé, mas não prestou a menor atenção a suas exortações. Ajoelhando-se, disse: "Podeis destruir meu corpo, mas não podeis danificar minha alma, que encomendo a meu Redentor"; depois se submeteu paciente a seu martírio, tendo então cinqüenta e seis anos.

Valentim Cockam era pessoa de considerável fortuna e eminência, perfeitamente piedoso e honrado, mas de poucas dotes. Sem embargo, sua imaginação pareceu fazer-se mais brilhante, e suas faculdades melhorarem ao aproximar-se a morte, como se o iminente perigo refinasse seu entendimento. Justo antes de ser decapitado se expressou com tal eloqüência, energia e precisão que deixou atônitos a todos os que conheciam sua anterior deficiência em quanto a suas dotes pessoais.

Tobias Stelfick foi notável por sua afabilidade e serenidade. Estava totalmente resignado a sua sorte, e poucos minutos antes de sua morte falou desta forma singular: "Durante o curso de minha vida tenho recebido muitos favores de Deus; não deveria então, alegre, aceitar um cálice amargo, quando Ele considera apropriado apresentá-lo? Ou antes bem, não deveria eu regozijar-me que seja Sua vontade que dê uma vida corrompida em troca da imortalidade?"

O doutor Jessenius, um capaz estudante de medicina, foi acusado de falar palavras desrespeitosas contra o imperador, de traição por ter jurado adesão ao eleitor Frederico, e de heresia por ser protestante. Pela primeira acusação lhe cortaram a língua; pela segunda, foi decapitado; e pela terceira foi esquartejado, e as partes respectivas exibidas sobre estacas.

Cristóvão Chover, em quanto se viu sobre o patíbulo, disse: "Venho em nome de Deus, para morrer por Sua glória; lutei o bom combate, acabei minha carreira; assim sendo, carrasco, executa teu ofício". O algoz obedeceu, e no instante recebeu a coroa do martírio.

Ninguém viveu mais respeitado nem morreu mais lamentado que John Shultis. As únicas palavras que disse antes de receber o golpe fatal foram: "Aos olhos dos néscios parece que os justos morrem, mas somente vão ao seu repouso. Senhor Jesus! Tu prometeste que os que a Ti vêm não serão lançado fora. Eis aqui, eu vim; olha para mim, tem piedade de mim, perdoa meus pecados, e recebe minha alma".

Maximiliano Hostialick era famoso por sua erudição, piedade e humanidade. Quando chegou ao começo do cadafalso parecia totalmente aterrado ante a iminência da morte. Ao perceber o oficial sua agitação, lhe disse Hostialick: "Ah, senhor, agora se amontoam em minha mente os pecados de minha juventude, mas espero que Deus me iluminará, não seja que durma o sono da morte e digam meus inimigos que prevaleceram sobre mim". pouco depois disse: "Espero que meu arrependimento seja sincero, e que seja aceito, em cujo caso o sangue de Cristo me lavará de meus crimes". Depois disse ao verdugo que ia repetir o Cântico de Simeão, após o qual poderia exercer seu ofício. Assim, ele disse: "Agora despedes, Senhor, a teu servo, conforme a tua palavra, em paz; porque meus olhos viram tua salvação". Ao acabar estas palavras, o carrasco cortou a cabeça de um único golpe.

Quando John Kutnaur chegou ao lugar da execução, um jesuíta lhe disse: "Abraça a fé católico-romana, a única que pode salvar-te e armar-te contra os terrores da morte". A isto ele replicou: "Vossa supersticiosa fé eu aborreço; conduz à perdição, e não desejo outras armas contra os terrores da morte que uma boa consciência". O jesuíta se afastou, dizendo sarcasticamente: "Os protestantes são rochas impenetráveis". "Você está errado", disse-lhe Kurnaur. "É Cristo a Rocha, e nós estamos firmes nEle". Este homem, ao não ter nascido na nobreza, porém tinha feito sua fortuna num trabalho manual, foi sentenciado a ser enforcado. Antes de ser suspenso, disse: "Morro, não por ter cometido crime algum, senão por seguir os ditados de minha consciência, e por defender meu país e minha religião".

Simeão Sussickey era sogro de Kutnaur, e igual que ele, foi sentenciado à forca. Foi animoso à morte, e parecia impaciente por ser executado, dizendo: "Cada momento me retarda de entrar no Reino de Cristo".

Natanael Wodianskey foi enforcado por ter apoiado a causa protestante e a eleição de Frederico à coroa da Boêmia. Ante a forca, os jesuítas fizeram tudo o possível por levá-lo a renunciar a sua fé. Ao verem ineficazes seus esforços, um deles disse: "Se não queres abjurar de tua heresia, te arrependerás pelo menos de tua rebelião?" Ao qual Wodnianskey replicou: "Nos tirais a vida sob a pretendida acusação de rebelião, e não contentes com isso quereis destruir nossas almas; fartai-vos de nosso sangue, e ficai satisfeitos, mas não manipuleis nossas consciências".

O próprio filho de Wodnianskey se aproximou então à forca, e disse a seu pai: "Senhor, se fossem oferecer-vos vossa vida com a condição da apostasia, vos rogo que vos lembreis de Cristo, e que rejeiteis uns oferecimentos tão perniciosos". Ao que o pai respondeu: "È muito aceitável, meu filho, ser exortado por você à constância; porém, não abrigues suspeitas acerca de mim; antes bem trata de confirmar na fé a teus irmãos, irmãs e filhos, e ensina-lhes a imitar a constância da que lhes darei exemplo". Apenas se tinha acabado estas palavras quando foi enforcado, recebendo a coroa do martírio com grande fortaleza.

Durante seu encerro, Wenceslao Gisbitzkey abrigou grandes esperanças de que lhe seria concedida a graça da vida, o que fez temer a seus amigos pela sorte de sua alma. Contudo, se manteve firme em sua fé, orou fervorosamente ante a forca, e afrontou a morte com peculiar resignação.

Martin Foster era um ancião aleijado; a acusação contra ele era mostrar caridade aos hereges, e emprestar dinheiro ao eleitor Frederico. Mas parece que seu principal delito tinha sido sua grande riqueza; e foi para ser saqueado de seus tesouros que foi unido a esta ilustre lista de mártires.