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domingo, 1 de julho de 2012

A perseguição de Jerônimo de Praga

 

Este reformador, companheiro do doutor Huss, e poderia dizer-se que co-mártir com ele, tinha nascido em Praga, e se educou naquela universidade, onde se distinguiu por suas enormes capacidades e erudição. Visitou também vários outros eruditos seminários na Europa, particularmente as universidades de Paris, Heidelberg, Colônia e Oxford. Neste último lugar se familiarizou com as obras de Wycliffe, e, sendo pessoa de uma grande capacidade de trabalho, traduziu muitas delas a sua língua nativa, tendo chegado a ser um grande conhecedor da língua inglesa, após árduos estudos.

Ao voltar a Praga, se manifestou abertamente como favorecedor de Wycliffe, e ao ver que suas doutrinas tinham feito grande progresso na Boêmia, e que Huss era seu principal patrocinador, veio em sua ajuda na grande obra da reforma.

O quatro de abril de 1415 chegou Jerônimo a Constança, uns três meses antes da morte de Huss. Entrou em privado na cidade, e consultando com alguns dos líderes de seu partido, aos que encontrou ali, ficou facilmente convencido de que não poderia ser de ajuda alguma para seus amigos.

Ao saber que sua chegada a Constança tinha sido conhecida publicamente, e que o Concílio tinha a intenção de apresá-lo, considerou que o mais prudente era retirar-se. Assim sendo, no dia seguinte foi para Iberling, uma cidade imperial a uma milha de Constança. Desde este lugar escreveu ao imperador, manifestando-lhe sua boa disposição a comparecer diante do Concílio se lhe era concedido um salvo-conduto; porém lhe foi recusado. Então enviou uma solicitude ao Concílio, e recebeu uma resposta não menos desfavorável que a do imperador.

Depois disto, empreendeu o retorno à Boêmia. Teve a precaução de levar consigo um certificado, assinado por vários dos nobres boêmios, que então estavam em Constança, que dava testemunho de que tinha utilizado todos os médios prudentes em sua mão para conseguir uma audiência.

Jerônimo, contudo, não escaparia. Foi apressado em Hirsaw por um oficial do duque de Sultbach, que, embora carecendo de autorização para agir neste sentido, não tinha dúvida alguma de que o Concílio iria agradecê-lhe um serviço tão aceitável.

O duque de Sultbach, com Jerônimo em seu poder, escreveu ao Concílio pedindo instruções acerca de como proceder. O Concílio, trás expressar seu agradecimento ao duque, pediu-lhe que enviasse o prisioneiro de imediato a Constança. O eleitor palatino se encontrou com ele no caminho, e o levou de volta à cidade, cavalgando com ele num corcel, com um numeroso cortejo, que levava a Jerônimo acorrentado com uma longa corrente; assim que chegaram, Jerônimo foi lançado numa imunda masmorra.

Jerônimo foi logo tratado de uma forma muito semelhante a como tinha sido tratado Huss, só que sofreu um confinamento muito mais prolongado, e passou de uma a outra prisão. No final, feito comparecer perante o Concílio, desejou defender sua causa e exculpar-se; sendo-lhe isto negado, prorrompeu nas seguintes palavras:

"Que barbaridade é esta! Durante trezentos quarenta dias estive encerrado em várias prisões. Não há miséria nem carência que não tenha experimentado. A meus inimigos lhes tendes permitido toda a facilidade para acusar. A mi me negais a mais mínima oportunidade de defender-me. Nem uma hora me permitireis preparar-me para meu juízo. Tendes engolido as mais negras calúnias em minha contra. Tendes-me apresentado como herege, sem conhecer minha doutrina; como inimigo da fé, antes que saber que fé professo; como perseguidor de sacerdotes, antes de ter uma oportunidade de saber quais são meus pensamentos acerca disto. Sois um Concílio Geral; em vós se centra tudo o que este mundo pode comunicar de seriedade, sabedoria e santidade; porém, contudo sois somente homens, e os homens poder ser atraídos pelas aparências. Quanto mais elevado seja vosso caráter para sabedoria, tanto mais cuidado deveríeis tomar de não desviar-vos para a insensatez. A causa que agora alego não é minha própria causa: é a causa de todos os homens, é a causa dos cristãos; é uma causa que afetará os direitos da posteridade, segundo o que fizerdes com minha pessoa".

Este discurso não exerceu o mais mínimo efeito; Jerônimo foi obrigado a ouvir a leitura da acusação, que se reduzia aos seguintes encabeçados:

1) Que era um ridicularizador da dignidade papal.

2) Um opositor do Pai.

3) Um inimigo dos cardeais.

4) Um perseguidor dos prelados.

5) Um aborrecedor da religião cristã.

O juízo de Jerônimo teve lugar no terceiro dia de sua acusação, e se interrogou a testemunhas em apoio da acusação. O prisioneiro estava disposto para sua defesa, o que parece quase incrível, quando consideramos que tinha estado trezentos e quarenta dias aprisionado numa imunda cela, privado da luz do dia, e quase morto de fome por carência das coisas mais necessárias. Mas seu espírito se elevou por acima destas desvantagens sob as que homens com menor coragem teriam afundado; e não se privou de citar os pais e os autores antigos, como se tivesse estado dotado da melhor biblioteca.

Os mais fanáticos da assembléia não desejavam que fosse ouvido, porque sabiam o efeito que pode ter a eloqüência nas mentes das pessoas mais cheias de prejuízos. No final, a maioria prevaleceu em que se devia dar-lhe liberdade para falar em sua própria defesa. Esta defesa a iniciou com uma eloqüência tão comovente e sublime que se viu como se fundiam os corações mais cheios de zelo e endurecidos e como as mentes supersticiosas pareciam admitir um raio de convicção. Estabeleceu uma admirável distinção entre a evidência que repousava sobre os fatos, e a sustentada pela malícia e a calúnia. Expus ante a assembléia todo o teor de sua vida e conduta. Observou que os maiores e santos dos homens tinham sido observados diferindo em questões pontuais e especulativas, com vistas a distinguir a verdade, não a mantê-la oculta. Expressou um nobre menosprezo de todos seus inimigos, que o haviam induzido a desdizer-se da causa da virtude e da verdade. Entrou num alto encômio de Huss, e se manifestou disposto a segui-lo no glorioso caminho do martírio. Depois tocou as doutrinas mais defendíveis de Wycliffe, e concluiu observando que estava longe de sua intenção avançar nada em contra do estado da Igreja de Deus; que somente se queixava dos abusos do clero; que não podia deixar de dizer que era certamente coisa ímpia que o patrimônio da Igreja, que originalmente tinha sido designado para a caridade e a benevolência universal, se prostituísse pela concupiscência dos olhos, em festas, vestes extravagantes e outros vitupérios para o nome a profissão do cristianismo. Terminado o juízo, Jerônimo recebeu a mesma sentença que tinha sido executada contra seu compatriota mártir. Como conseqüência disto foi, segundo o estilo do engano papista, entregue ao braço secular; mas como era laico, não podia passar pela cerimônia da degradação. Tinham-lhe preparado uma coroa de papel pintada com demônios vermelhos. Quando a teve colocada sobre sua cabeça, exclamou: "Nosso Senhor Jesus Cristo, quando sofreu a morte por mim, um pecador mais que miserável, levou sobre Sua cabeça uma coroa de espinhos; por amor dEle levarei eu esta coroa".

Foram-lhe permitidos dois dias, com a esperança que se retratasse; durante este tempo o cardeal de Florência empregou todos seus esforços para tratar de ganhá-lo. porém tudo isso resultou ineficaz. Jerônimo estava resolvido a selar a doutrina com seu sangue, e sofreu a morte com a mais distinguida magnanimidade.

Ao ir para o local da execução cantou vários hinos, e ao chegar no lugar, que era o mesmo no qual Huss tinha sido queimado, se ajoelhou e orou fervorosamente. Abraçou a estaca com grande ânimo, e quando foram por trás dele a acender a lenha, disse-lhes: "Vinde aqui, acendei o fogo diante de minha cara; se eu tiver tido medo das chamas, não teria vindo a este lugar". Ao acender-se o fogo, cantou um hino, porém logo viu-se interrompido pelas labaredas, e as últimas palavras que se ouviram foram estas: "A ti, oh Cristo, te ofereço esta alma em chamas".

O elegante Pogge, um erudito cavalheiro de Florência, secretário de dois Papas, e católico zeloso, porém liberal, deu numa carta a Leonard Arotin um amplo testemunho das extraordinárias qualidades e virtudes de Jerônimo, a quem descreve de maneira enfática como um homem prodigioso!

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